Cinema com Rapadura

Acme   quinta-feira, 21 de maio de 2015

Por que o diretor de conteúdo da Netflix é “persona non grata” em Cannes?

Em uma coletiva durante o Festival de Cannes de 2015, o diretor recebeu a seguinte pergunta: "Você está ciente de que destruirá o ecossistema cinematográfico europeu?"

Por que o diretor de conteúdo da Netflix é “persona non grata” em Cannes?>

Está acontecendo na França o Festival de Cannes, onde acontecem exibições de grandes filmes de todas as partes do mundo. Muitos direitos de exibição são comprados por distribuidores durante festivais ao redor do mundo e Cannes não fica de fora. Pensando nisso, Ted Sarandos, diretor de conteúdo da Netflix, estava lá para comprar alguns direitos (adquiriu recentemente os direitos de distribuição de “Beasts of No Nation”, filme de Cary Fukunaga – que dirigiu a primeira temporada da série ”True Detective”). Além disso, ele comentou sobre os rumos e projetos da empresa. O que ele não esperava era uma pergunta inicial tão direta:

Você está ciente de que em cinco, dez ou quinze anos [o modelo Netflix] vai destruir o ecossistema cinematográfico europeu?“, perguntou um repórter local.

Essa pergunta diz muito sobre o sentimento do mercado em relação ao Netflix. O público ama a plataforma, mas a indústria do cinema enxerga como ameaça. Óbvio, as pessoas estão deixando de ir ao cinema para ver os filmes/séries em casa. Isso está tão evidente, que muitos cinemas estão exibindo temporadas de algumas séries nos cinemas ao mesmo tempo que eles passam na TV (como Game of Thrones que está sendo exibido em IMAX).

Outro dia, a Netflix anunciou que pretendia lançar filmes em sua plataforma ao mesmo tempo que no cinema. Se já não bastasse a relação instável entre a ferramenta e as exibidoras (as donas de redes de cinemas), essa decisão da Netflix foi uma compra de briga aberta. Tanto que muitas redes de cinemas decidiram boicotar as produções da Netflix se ela permanecesse com essa ideia de lançar em sua plataforma ao mesmo tempo que no cinema. A Netflix é alvo de críticas desde sempre, principalmente, por (supostamente) ser uma ameaça ao cinema tradicional, não uma alternativa que enriquece o mercado.

Para Ted Sarandos, a empresa que representa vai além: em oferecer uma plataforma global para cineastas europeus, a Netflix vai “estimular o ecossistema cinematográfico europeu“. De certa forma é um posicionamento romântico e positivo, pois a ferramenta é importante para a difusão do cinema mundial. Afinal, muitos filmes jamais chegam aos cinemas.

Harvey Weinstein, dono de uma das principais distribuidoras de Hollywood e um produtor mega consagrado, defendeu a Netflix destacando a ação da empresa como um “despertar” para o monopólio de exibidores europeus. Ok, Weinstein não é um dos melhores exemplo de boa prática na indústria. Os votantes da academia são normalmente bajulados por ele e por sua empresa, Weinstein Company, para angariar votos a favor dos seus filmes no Oscar. É fato, ele sabe como promover um filme. É capaz de fazer um filme pequeno se transformar em algo gigantesco, como o caso do francês “O Artista”, vencedor de 7 categorias na principal premiação do cinema.

Weinstein é de fato uma lenda em Hollywood. Antes de fundar a Weinstein Company, criou em 1979, com o irmão mais velho Bob, o estúdio Miramax, nome que era uma homenagem a sua mãe Miriam e ao pai Max. A Miramax foi vendida a Disney em 1993 e os irmãos Weinstein abandonaram a empresa em 2005 para abrir o novo estúdio. Entre os sucessos da Miramax está “Shakespeare Apaixonado” (1998), pelo qual Weinstein recebeu o Oscar de Melhor Filme. Alguém explica a vitória desse filme no Oscar? Além de mediano, o filme disputava com “O Resgate do Soldado Ryan”, “Além da Linha Vermelha” e “A Vida É Bela”, longas extremamente superiores. Harvey soube fazer um lobby, deus presentes aos votantes, fez festas e etc. O fato dele apoiar a Netflix é óbvio que foi com segundas intenções: quer que seus filmes ganhem destaque na plataforma e que a Weinstein Company seja cada vez mais forte no mercado internacional (derrubando os distribuidores menores, que são preferíveis entre os cineastas mais artísticos).

Voltando ao assunto, Sarandos respondeu ao repórter sem ataque, afirmando:

A Netflix não é contra os cinemas, mas a favor dos filmes. Nada na Netflix pode competir com sair de casa para ir ao cinema com sua namorada. Se você não quer calçar o tênis, nada nos cinemas pode competir com a Netflix”.

Ser “a favor dos filmes” diz muito. Sim, o mundo mudou. Hoje nós queremos ficar mais em casa do que sair. Cada saída que fazemos é muito dinheiro gasto, cinema está caro, a pipoca está cara, jantar fora de casa está caro. Em tempos de crise financeira, ficar em casa é uma solução pra lá de inteligente. Porém, é interessante ver a Netflix comprando briga com os cinemas? Acredito no espaço para todos, mas sou sempre extremamente a favor do cinema.

Ted Sarandos ainda levantou um novo ponto de vista, apontando um prejuízo da Netflix, que ainda briga para exibir seus filmes nos cinemas na mesma data que estreiam online:

Nosso desafio é produzir filmes tão bons que os cinemas queiram exibi-lo mesmo que eles estejam passando na Netflix“.

Sarandos é conhecido por ser um sonhador, um cara cheio de desejos. Outro dia ele queria que a Netflix tivesse o MESMO conteúdo em todas as partes do mundo. É um sonhador. Assim como sonha que o cinema vai passar um filme ao mesmo tempo que ele estreia na Netflix. Um sonhador, esse moço.

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Jurandir Filho
@jurandirfilho

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