Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 05 de outubro de 2009

Gamer

Em um futuro apocalíptico, um homem é controlado por um adolescente em um video game. "Gamer" homenageia a era dos jogos de aventura, se apropria da atual fase de comunidades virtuais e ainda questiona o alcance da tecnologia.

A trama de "Gamer" é ambientada em um futurístico jogo chamado Slayers, no qual prisioneiros condenados à morte são controlados por jogadores após uma alteração celular que conecta o jogador real com o virtual. Kable (Gerard Butler) está a quatro vitórias para alcançar sua liberdade, fruto do talento do nerd Simon (Logan Lerman), que controla as ações do protagonista. A cada batalha travada, existem chances reais de Kable sair ferido ou morrer, afinal, segundo o criador do game, Ken Castle (Michael C. Hall), eles já estão no corredor da morte mesmo. Para a sociedade, Kable é um verdadeiro herói e, à medida que se aproxima do fim da aventura, ele se vê ameaçado por um sistema corrupto e, literalmente, manipulador. Como se não bastasse, sua esposa e filha também estão em perigo e ele precisa ter foco para conseguir salvar a si e a elas.

Os parceiros de roteiro e direção Mark Neveldine e Brian Taylor, responsáveis por "Adrenalina", não querem revolucionar a história da ficção científica ou dos filmes de ação, nem mesmo se tornar um "Matrix". Isso não exclui a possibilidade de criar uma trama inteligente cujas perspectivas vão se renovando de acordo com o andamento dos fatos, jamais deixando o ritmo e o interesse pelo filme diminuir. Logo no início, os realizadores incluem uma cena de batalha que traz a familiaridade dos jogos em primeira pessoa, criando nesta sequência um visual gamer, desde o desenho de produção, aos ângulos, fotografia e direção de arte. "Gamer" não é baseado em um jogo, mas seu visual é muito mais rico do que outros tantos games que foram levados ao cinema com pouco apuro técnico. Como se não bastasse, a ótima versão de "Sweet Dreams" cantada por Marilyn Manson engrandece e promete que um bom filme está por vir.

Aos poucos, as informações sobre o sistema de controle que Kable e os outros detentos vivem são reveladas, mas sem nunca serem subestimadas. Ora, a partir do momento em que a lógica para tudo está em uma modificação celular no cérebro, podemos pressupor como o terceiro ato pode se desenrolar, visto que a questão de emoção e manipulação é sempre posta em debate. De qualquer forma, tais informações são vitais para que a trama, que é comum, não seja desinteressante. Para isso, Neveldine e Taylor se inspiram em tudo que trazem na bagagem para seus filmes, bem como uma visão do que a tecnologia pode alcançar um dia. Assim, o filme pega uma boa história e mescla com a duas mentes criativas, além de uma equipe técnica que realiza com perfeição praticamente todos os aspectos fílmicos.

O roteiro de Neveldine e Taylor se dá ao luxo, também, de investir em momentos cômicos e até constrangedores, sem esconder que foi proposital. Tais sequências acabam acrescentando ao filme um teor lúdico que é sempre bem vindo. Se a história se propõe a contar como um homem apaixonado pela família tenta sobreviver sendo parte de um sistema ambicioso, ela também traz elementos que se complementam e geram discussão, sendo a manipulação o principal, que pode ser associada à sociedade, crenças, etc., que foram e sempre serão presentes na vida das pessoas. A questão da alienação também é um ponto forte na trama, principalmente ao criar um paralelo entre o controlador de Kable e o de sua esposa, um jovem obeso. Um é viciado no jogo Slayers e o outro em Society City, uma espécie de The Sims mais sensual. Apesar da aparente situação financeira diferente deles, ambos passam horas à frente da tela e têm seus respectivos danos devido a esse excesso.

Outro ponto que deve ser discutido é até onde a tecnologia pode ter êxito, já que o próprio filme mostra que a cada minuto novas alternativas e sistemas estão sendo criados, superando uns aos outros, como em um jogo infinito e com objetivos questionáveis. No ato final, Kable também mostra que a os processos de alteração genética podem ser falhos, diminuindo a tensão da narrativa, mas não perdendo de vista seu ideal. Se existe uma falha grave no roteiro não se dá por suas vertentes utilizadas e seu estilo cool, mas por não deixar claro, por exemplo, a função do Society City e investir apenas nos objetivos do Slayers, ou de onde o protagonista Kable tem tantas habilidades de luta, até mesmo quando não está sendo controlado.

Gerard Butler se afasta do protagonista que provoca empatia imediata no público e está lá para atirar, vomitar em tanques de gasolina, pular em frente às explosões e salvar a mocinha. Butler carrega a trama e cria um contraponto interessante com o desempenho de Michael C. Hall na pele de Ken Castle, um nerd meio maluco e frio. O restante do elenco tem suas funções bem realizadas, porém nenhum deles é fortemente trabalhado pela narrativa, sendo até inútil quando Angie, personagem de Amber Valleta, tenta conseguir a guarda da filha de volta.

"Gamer" traz uma experiência nada inovadora, mas conta com uma trama charmosa e um belo visual. O longa pode não agradar a todos os tipos de público, mas ainda assim é excitante e fica registrado como um dos melhores filmes de ação e ficção científica dos últimos anos.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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