Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Confissões de Uma Garota de Programa

"Confissões de Uma Garota de Programa" possui uma protagonista cativante vivida por uma jovem atriz carismática, além de uma premissa interessante e um visual bastante criativo. No entanto, o diretor Steven Soderbergh perde o fio da meada e transforma o filme em uma experiência extremamente aborrecida.

É difícil não estranhar a atriz pornô Sasha Grey encabeçando uma produção dramática, principalmente uma dirigida por Steven Soderbergh. No entanto, tratou-se de uma decisão de casting extremamente acertada, já que a belíssima jovem é o que sustenta este "Confissões de Uma Garota de Programa", novo trabalho da vertente mais experimental do cineasta que, novamente, mostra sua habilidade de comandar um elenco mais inexperiente, embora se perca dentro de suas próprias ambições narrativas.

Rodado em menos de duas semanas, o longa nos apresenta a Chelsea (Grey), uma prostituta de alta classe, altamente refinada e culta, embora exageradamente crente em um sistema de combinação personalidades um tanto quanto estranho. Ela não oferece aos seus clientes apenas sexo, mas o que é chamado de "a experiência da namorada", um serviço no qual ela sai com o cliente, vai a um filme, janta com ele e conversa trivialidades como se realmente estivesse em uma relação amorosa antes (ou até ao invés) do ato sexual.

Chelsea mantém um padrão de vida extremamente elevado, graças ao seu "cachê" de dois mil dólares por hora de serviço. Em seu cotidiano, ela namora Chris (Chris Santos), um personal trainer. Os dois estão começando a sentir o peso da crise econômica que assola os EUA enquanto vivem os estranhos dias que precederam as eleições presidenciais americanas de 2008. Além disso, Chelsea começa a se interessar demais por um de seus clientes, algo que ameaça desestruturar totalmente sua relação com Chris.

Contada assim, a história da fita parece simples, com um potencial para ser bastante envolvente. No entanto, o roteiro de David Levien e Brian Koppelman (que trabalharam com o diretor em “Treze Homens e Um Novo Segredo”) e o próprio "experimentalismo" de Soderbergh acabam por complicar demasiadamente a história, aumentando além do necessário a importância de Chris para a trama, exagerando no tom político em suas cenas (algo mais notável nas sequências dentro do avião) e, principalmente, colocando o filme em uma narrativa não-linear.

Essa escolha infeliz compromete e muito a ligação do público com aqueles personagens, pois não acompanhamos o crescendo da tensão entre aquelas figuras, mas momentos meramente capturados. Se a trama ainda instiga em algo é por conta da ótima performace de Sasha Grey. Em um longa destes, com uma premiada atriz pornô representando uma garota de programa, a primeira coisa que se pensa é que haveriam cenas de nudez e sexo explosivas, mas não.

Grey nos mostra o retrato de uma jovem que podia ser real, com falhas e idiossincrasias comuns, embora tenha uma vida incomum. Seu medo de se entregar a alguém e revelar muito de si aos seus clientes, suas conversas com colegas, decepções… O longa jamais tenta transformar Chelsea em uma predadora sexual ou em uma prostituta ninfomaníaca, retratando-a apenas como uma garota com um trabalho pouco ortodoxo, algo que o rosto angelical e a figura simples e elegante de Grey suportam perfeitamente.

Não é à toa que as melhores cenas do longa são aquelas nas quais ela reflete sobre seus relacionamentos "de mentira" e na qual a vemos interagir com seus clientes. Não que o personal trainer (na vida real e no filme) Chris Santos se saia mal na tela, mas seu personagem é completamente desinteressante dentro da narrativa, principalmente se comparado a Chelsea.

É uma pena que a história da garota se perca no emaranhado que Soderbergh tenta colocar na tela. Em seus menos de 90 minutos, a trama muda tanto em seu foco narrativo e cronológico que deixa o público desnorteado, jogando fora qualquer possibilidade de um investimento emocional maior na história. Além disso, as discussões políticas só funcionam quando inseridas de maneira mais orgânica na história (como nos diálogos de Chelsea com o empresário rico e com o israelita), soando desinteressantes nos outros momentos.

No entanto, Soderbergh cria quadros belíssimos do ponto de vista visual, com sua atuação simultânea como cineasta e diretor de fotografia aqui se mostrando particularmente inspirada. Contrastando a luz metálica das ruas de Nova York com o clima escuro e levemente decadente e sensual dos bares "de elite" da metrópole cosmopolita, o realizador mostra uma visão da cidade bastante diferente e refrescante. Devo ainda elogiar sua decisão de incorporar sons de artistas locais ao filme, enriquecendo a imersão do público cenário nova-iorquino.

A grande virtude do filme é realmente expor o talento de Sasha Grey ao mundo do entretenimento mainstream. Linda, culta, inteligente e talentosa, a atriz merece uma chance de brilhar em produções mais ambiciosas que o mercado pornográfico pode oferecer. É ela que redime este "Confissões de Uma Garota de Programa", um projeto que foi salvo de afundar por conta do carisma de sua estrela.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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