Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 06 de agosto de 2009

Trama Internacional

Em dado momento de "Trama Internacional", um personagem diz que, ao contrário da realidade, a ficção precisa fazer sentido. Bem, sentido é tudo o que falta nesta estreia do diretor alemão Tom Tykwer no mundo de Hollywood. Apesar de ser extremamente bem filmado e fotografado, falta substância ao filme.

Quantas vezes já não vimos Clive Owen com cara de poucos amigos, mal-humorado e atirando para todos os lados? Sim, é um estereótipo bem explorado pelo ator britânico em filmes como "Sin City – A Cidade do Pecado", "Mandando Bala" e "Filhos da Esperança", mas que não segura uma produção, principalmente quando este atua no piloto automático em uma história que tenta possuir uma história de suspense.

O roteiro deste "Trama Internacional", escrito pelo estreante Eric Singer, coloca Owen na pele do agente da INTERPOL Lou Sallinger, um homem que tenta desesperadamente derrubar uma instituição bancária que ele acreditar financiar toda sorte de atividades criminosas, desde tráfico de drogas até terrorismo internacional. Após testemunhar a morte de seu parceiro, Sallinger se torna cada vez mais paranóico e desacreditado, contando apenas com a ajuda de uma promotora de Nova York, Elle Whitman (Naomi Watts), em sua missão.

O grande problema do script é que quase tudo se desenvolve quase que por acaso, vide a cena na qual Sallinger persegue um suspeito após uma tentativa de assassinato apenas porque ele quis, sem nenhuma explicação. Não sentimos a motivação dos personagens, que não parecem reais em momento algum, nem mesmo caricaturais, sendo meras peças do texto tornando quase impossível qualquer identificação ou simpatia por estes, principalmente com relação à Sallinger e Elle.

Esta é uma falha gravíssima, já que se tratam das duas figuras centrais da história, os protagonistas do filme. Com Owen parecendo em suas cenas que está mais interessado em pensar no que vai comer no almoço depois e Naomi Watts totalmente apagada e sem um pingo de vida na tela, fica difícil para a audiência ignorar estes enormes erros do texto de Singer.

Os roteirismos forçados da produção ficam mais evidentes no último terço de projeção, que se desenvolve após um tiroteio em um museu nova-iorquino. Tal cena de ação, aliás, é o momento mais movimentado do filme e também o mais deslocado. Apesar de empolgante e de possuir uma movimentação tremendamente dinâmica e interessante, a sequência parece que foi colocada lá apenas para acordar o público, quase dormente por conta de uma trama de investigação na qual os espectadores não investiram nada emocionalmente. Aliás, a demora absurda da polícia de Nova York no filme para atender um chamado em um local turístico tão movimentado é bizarra, no mínimo.

Muito desse desinteresse na tal "trama internacional" vem do fato de que nós pegamos basicamente "o bonde andando", com os protagonistas estando já no meio de seus trabalhos quando o filme começa. Além disso, jamais sentimos os efeitos nefastos da influência do tal banco. Sim, vemos os bastidores de suas transações escusas, mas pouco das consequências humanas são mostradas, geralmente através de meras menções e narrações em off.

O pouco de humanidade presente do filme vem, ironicamente, de um dos "consultores" do temido banco, o ex-agente comunista Wilhelm Wexler, vivido por Armin Mueller-Stahl. O veterano ator, que há muito admiro, consegue tirar leite de pedra, utilizando uma expressão sempre cansada para indicar o desânimo com que seu personagem encara o que sua vida se tornou. A reviravolta envolvendo Wexler, a despeito de ser previsível, é a única que consegue causar alguma reação na audiência e o seu intérprete, um dos poucos que escapam do festival de apatia generalizado do elenco.

Se o roteiro e o cast desapontam, Tom Tykwer mostra que seu senso estético está apurado como sempre. Diretor de filmes como "Corra Lola, Corra" e o ótimo "Perfume – A História de Um Assassino", o alemão mostra que possui uma criatividade única ao rodar suas cenas, explorando ao máximo as belas locações do filme, que atravessa pontos marcantes da Europa e da cidade de Nova York.

A tensão que a câmera do cineasta consegue causar, mesmo em cenas mais calmas é palpável, vide o diálogo em um carro e uma sequência em um museu de arte europeu. Além disso, na já citada cena do tiroteio, que utiliza muito bem a arquitetura única de seu cenário, fica óbvio o talento de Tykwer em crias sequências de ação. Combinando-se isto o trabalho excelente do cinematógrafo Frank Griebe (colaborador já assíduo de Tykwer), temos um filme visualmente belo na tela.

Infelizmente, beleza, neste caso, não põe mesa. "Trama Internacional" é chato e arrastado durante 90% de sua duração. Honestamente, espero que Tykwer tenha melhor sorte em seu próximo projeto. Ele merece, assim como o público, um filme melhor.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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