Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Che 2 – A Guerrilha

Um líder correto, exigente e frágil. É assim que a segunda e última parte do filme de Steven Soderbergh mostra o revolucionário Ernesto Guevara de la Serna. Em “Che – A Guerrilha”, o diretor nos conduz pelas florestas bolivianas, mostrando como Che tentou construir uma revolução no país, mas fracassou devido a diferentes razões.

A trama tem início com a saída de Che (Benicio Del Toro) de Cuba e sua chegada à Bolívia em 1966. Fisicamente disfarçado e com um nome diferente, o guerrilheiro argentino, acompanhado de um grupo de cubanos revolucionários, tenta compor uma força armada com o objetivo de destituir a ditadura vigente no poder do país. As metas são basicamente as mesmas que possuíam durante a revolução no país caribenho, assim como as estratégias. Ele recruta soldados locais e os treina pelo interior do país, nunca esquecendo de orientá-los ideologicamente.

Entretanto, os guerrilheiros não imaginavam a força inimiga que teria de enfrentar. O exército boliviano, com a ajuda secreta da CIA, já sabe que revolucionários cubanos agem pela região e fará de tudo para conter o avanço dos guerrilheiros. Além disso, táticas erradas, descumprimentos de ordens e a falta de apoio do Partido Comunista enfraquecem o movimento liderado por Che e levam a divisão do grupo, tornando-os presas fáceis. É apenas uma questão de tempo até que eles sejam capturados e mortos. As “aventuras” do argentino estão perto do fim e não há como mudar esse fatídico destino. Mas quem terá coragem de matar esta figura tão emblemática que sempre pregou o bem-estar da sociedade?

Assim como em “O Argentino”, Che é tratado como um homem diferenciado com ideais visionários. Não estamos diante de um ser qualquer, mas alguém que deixou seguidores por todos os cantos do mundo. Realmente não existe uma universalização na construção da personalidade de Che, algo que foi muito bem explorado em “Diários de Motocicleta”, o qual é visto por Soderbergh como a primeira parte de uma trilogia. O personagem não deixa espaços para que princípios “capitalistas” lhe tomem e age seguindo à risca suas utopias. Na produção, é impossível corromper Che. E talvez essa seja a grande falha do filme.

O roteirista Peter Buchman cria uma história absolutamente maniqueísta, em que o grupo de Che é muito correto e o do governo da Bolívia é o extremo contrário disso. Cada ato de um deles contribui apenas para uma maior idealização de suas figuras. Se em uma ocasião, o revolucionário procura curar o olho de uma criança de uma família camponesa, além de comprar um leitão a um preço exorbitante, os integrantes do exército ameaçam da pior forma possível as mesmas pessoas. Mesmo se tratando de um filme histórico, temos sim mocinhos e vilões bem ao estilo hollywoodiano.

O roteiro também falha ao se focar apenas no personagem central. Não conhecemos ninguém além de Ernesto Guevara, mesmo porque todos parecem muito semelhantes com a barba grande e o uniforme de guerrilha. As incontáveis lições de moral por parte de Che também são muito cansativas. Mas mesmo assim, a produção ainda é muito inferior ideologicamente a sua primeira parte. Sem outra ideia para substituir com a mesma eficiência a entrevista concedida por ele a uma repórter americana usada em “O Argentino”, Buchman não consegue disseminar e defender os princípios revolucionários com a mesma eficiência em “A Guerrilha”.

Quem salva o filme é justamente seu diretor, Steven Soderbergh. Com talento já comprovado em obras-primas como “Sexo, Mentiras e Videotape”, o cineasta demonstra que sabe como contar uma história mesmo sem a cooperação do roteiro. Ele opta por um ritmo cadenciado para depois acelerá-los nas cenas de confrontos entre o exército e a guerrilha. As tomadas de longe das invasões dos grupos, em especial uma que nos mostra apenas a sombra dos combatentes, são muito bem conduzidas. Soderbergh também sabe inteligentemente como preparar o terreno para a inevitável captura do guerrilheiro. Mesmo os confrontos se passando pelas fechadas florestas bolivianas, temos ciência de que o exército fechou o cerco para as intenções dos revolucionários.

O diretor também acerta ao ousar em algumas situações, como na mudança de ponto de vista durante a morte de Che, mesma técnica utilizada por Henrique Goldman em “Jean Charles”, mas que fracassou. No entanto, Soderbergh contribui para a “demonização” da direita conservadora, sempre registrando-os com uma luz mais escura (já que também é responsável pela fotografia) e de costas, fugindo de qualquer gesto de bondade que seus rostos possam demonstrar.

O elenco de “Che – A Guerrilha” está em perfeita harmonia. Desde o protagonista até um mero figurante com uma mísera fala encarnam o projeto com uma seriedade difícil de se observar em outras produções, mesmo com a dificuldade de identificação dos personagens. Benicio Del Toro encarna o mais idolatrado e criticado guerrilheiro da História com uma maior fraqueza do que na primeira parte, principalmente nas cenas em que passa por mais uma crise asmática. Foi mais do que justo que ele tenha recebido o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes pelo papel. Já o brasileiro Rodrigo Santoro possui apenas duas pequenas cenas no filme e não merece destaque.

Uma das últimas sequências de “Che – A Guerrilha” exibe o corpo morto do argentino envolto em um cobertor cinza enquanto ele é carregado por um helicóptero do exército da Bolívia. Mesmo contrastando com a idealização exagerada do filme, a cena é simbólica porque foi exatamente ali que Che deixou de ser um homem comum com ideais revolucionários e se tornou um mito. Um mito que até hoje é adorado e questionado, que é objeto de inúmeras obras que exalam ódio e, principalmente, amor, como é este “A Guerrilha”.

Darlano Didimo
@rapadura

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