Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Che 2 – A Guerrilha

Com "Che 2 - A Guerrilha", o diretor Steven Soderbergh conclui seu épico sobre a vida de Ernesto "Che" Guevara. Dando um salto cronológico de sete anos após o fim de sua metade inicial, o longa é extremamente bem feito na sua parte técnica e conta com a ótima atuação de Benício Del Toro no papel-título, mas o roteiro é incrivelmente superficial.

Quando escrevi sobre a primeira parte de "Che", falei que Soderbergh estava realizando o que descrevi como "filme de fã", se atendo aos aspectos mais positivos de Guevara e evitando, de todos os modos, lidar com quais quer falhas de caráter ou decisões mais polêmicas por ele tomadas, algo que considero extremamente problemático ao se lidar com uma figura de tamanho peso histórico. Com "A Guerrilha", a abordagem não foi diferente.

Omitindo os erros cometidos por Che quando este fora ministro da agricultura e mal tocando na questão dos fuzilamentos, o longa não só se furta de tornar seu protagonista mais complexo, mas se torna até mesmo uma trapaça como relato histórico. Aproveitando o gancho do primeiro filme, a película mostra Guevara levando a revolução para outros países da América Latina, enfocando seu ano na Bolívia, desde sua quase fuga de Cuba, passando por sua chegada à La Paz até a sua morte nas mãos do Exército local.

Assim, vemos os problemas que os revolucionários enfrentam para recrutar homens em sua luta contra o presidente boliviano Barrientos (Joaquim de Almeida), o treinamento dos poucos recrutas, os problemas de Che com o líder do Partido Comunista boliviano (Lou Diamond Phillips) e a própria resistência dos bolivianos ao terem um estrangeiro querendo "libertar" o seu país. Presenciamos as condições precárias dos guerrilheiros e seus problemas internos, bem como os próprios riscos do grupo ser descoberto – vide que Che assume dois nomes durante a fita, Ramón e Fernando. Tomamos conhecimento das intenções da luta armada e dos riscos para alcançar suas metas, mas não dos meios para concretizar seus planos.

Em dado momento, o presidente Barrientos ouve de um de seus conselheiros que "a situação está insustentável" por conta da ação da guerrilha e que ações devem ser tomadas. No entanto, jamais vemos os grupos comandados por Guevara em movimentos pró-ativos. Todas as cenas de batalha do filme mostram os guerrilheiros sendo atacados. Enquanto na primeira fita o público via que Che e Fidel tinham um plano para tomar Cuba, aqui as jornadas do Comandante parecem sem foco, sem propósito, em uma clara falha do roteiro de Peter Buchman e Benjamin A. van der Veen.

Outro grande problema do filme é não dar quase nenhum espaço para que os demais personagens do longa brilhem. Mesmo sendo pouco desenvolvido pelo texto, Che é o foco principal do filme. Não é à toa que figuras como a guerrilheira Tania (Franka Potente), Fidel Castro (Demián Bichir) ou o próprio Barrientos, embora apareçam pouco, sejam os únicos que conseguem se apresentar para o público, já que aparecem em momentos longe do revolucionário, sem serem eclipsados por este. O roteiro falha até mesmo em apresentar um paralelo entre as intervenções cubanas e estadunidenses na Bolívia, um tema mencionado, mas nunca explorado devidamente.

E se Che ainda ganha algum desenvolvimento no filme é por conta da maravilhosa atuação de Benício Del Toro, que se entrega de corpo e alma ao papel. Del Toro sabe se mostrar frágil sem aparentar fraqueza, algo primordial para retratar as condições de saúde de Guevara. Sua postura sempre altiva mostra o orgulho do Comandante e sua entrega total à luta armada.

Em uma boa participação, a alemã Franka Potente empresta seu carisma à revolucionária Tania. Joaquim de Almeida aparece extremamente vilanesco como o presidente Barrientos. Com muito menos tempo de tela do que no primeiro filme, Demián Bichir contina impressionando com sua interpretação de Fidel Castro. O longa conta ainda com pontas de Matt Damon, como um padre alemão, e de Rodrigo Santoro, entrando mudo e saindo calado como o irmão de Fidel, Raul Castro.

Tecnicamente, Soderbergh faz um bom trabalho diferenciando essa segunda parte de sua obra da metade inicial. Saem as cenas em preto e branco e entra uma fotografia mais naturalista, com a utilização de vários filtros para mostrar os períodos de manhã/tarde/noite. Além disso, Soderbergh se sai muito bem nas sequências de ação, coordenando seus atores e os efeitos práticos mostrando o verdadeiro caos que eram as batalhas entre as guerrilhas e o exército boliviano.

A trilha sonora da produção, ausente em vários momentos, surge com bastante força durante o clímax emocional da fita, acertadamente realizado em primeira pessoa. O longa possui uma boa montagem, jamais perdendo ritmo ou se tornando demorado em suas diversa facetas. Apesar do esforço colocado por Soderbergh em seu retrato dos derradeiros dias de Che, a cena mais emocional surge em um flashback de "O Argentino", mostrando como faltou emoção e humanidade em "A Guerrilha".

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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