Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Loki – Arnaldo Baptista

Ascenção, queda e redenção. Este é o arco básico de vários heróis da nossa ficção. No entanto, é algo que aconteceu no cenário da música popular brasileira com Arnaldo Baptista. O documentário "Loki - Arnaldo Baptista" conta a fascinante e trágica trajetória deste homem, cujos traumas só podem se comparar com seu talento.

Quando vemos Arnaldo Batista hoje, a primeira imagem que nos vem à cabeça é a de uma criança travessa, sempre exalando alegria. Vivendo em meio à natureza com sua atual esposa, Lucinha, em uma fazenda em Minas Gerais, fazendo suas pinturas e trabalhando em sua música, em um ambiente altamente bucólico, mal se pode dizer que ele já foi um jovem que foi o líder de uma das bandas mais influentes da história brasileira, "Os Mutantes", e que passou por diversos eventos traumáticos.

"Loki – Arnaldo Baptista" mostra que, como muitos rapazes na icônica década sessentista, ele sonhava com o nascente rock'n roll. Com seu corte de cabelo à lá Beatles e uma habilidade inata para música, ele teve a idéia de montar uma banda. Nisso, ele conheceu Rita Lee que, três meses depois, veio a se tornar sua primeira e mais marcante namorada. Juntamente com o irmão caçula de Arnaldo, Sérgio, eles foram a formação inicial d'Os Mutantes, peça fundamental no movimento da Tropicália ao lado de Gilberto Gil e Caetano Veloso.

O relacionamento entre Baptista e Rita Lee se tornou ponto chave da vida do primeiro e está ligado intimamente com a banda. Vemos, então, o período mais produtivo e feliz de Arnaldo, com Os Mutantes ganhando notoriedade e seu posterior casamento com Rita Lee. No entanto, o abuso contínuo de drogas e suas próprias idiossincrasias começaram a desgastar o casal, que acabou por se separar, jogando o músico cada vez mais nas drogas e na depressão, afastando-o cada vez mais da realidade e sua eventual saída da banda.

O diretor Paulo Henrique Fontenelle mostra este período negro na vida de Arnaldo através de fortes entrevistas e pesquisas. Com idéias absurdas (que chegavam até à construção de naves espaciais) e seguidas internações em hospitais de saúde mental, ele expressou através do disco "Loki" como o se sentia em relação ao mundo em meados dos anos 1970, através de tons sombrios e melancólicos. Posteriormente, diversas bandas fracassadas e tentativas mal-sucedidas de voltar aos palcos levaram Baptista ao seu famigerado "acidente", quando realmente atingiu o fundo do poço.

O grande feito deste documentário é mostrar, de maneira bastante sensível, os dramas passados pelo biografado. Os depoimentos de pessoas próximas a Arnaldo sobre os momentos alegres e pesarosos vividos pelo músico são eficientes em retratar um gênio artístico bastante prejudicado (e/ou influenciado) por seus próprios traumas pessoais. Imagens de arquivo, fotos e entrevistas são usadas para expor a vida passada de Baptista de um modo bastante honesto e triste.

O resgate de números musicais e vídeos descontraídos, bem como a abrangência do material mostrado durante a projeção mostram o comprometimento do cineasta para com o projeto. A despeito disto, a ausência de Rita Lee é bastante sentida pelo público. Acompanhar o outrora "feliz casal" em vídeos antigos, vê-los brincar e tocar inocentemente desperta no público a curiosidade de saber o ponto de vista da cantora sobre o fim do relacionamento, evento que marcou profundamente Arnaldo que sempre fala que fora "abandonado" por sua companheira.

Notamos que há elementos importantes não contados sobre o rompimento dos dois, não só pelo tom da voz de Baptista, mas também por suas obras. Em uma pintura, que retrata seu período nos Mutantes, há uma figura feminina e a frase "sinto muito", cuja aparição mostra que não houve apenas um abandono por parte de Rita Lee, mas talvez uma motivação mais séria quanto a isso, algo extremamente importante, considerando o impacto que a separação teve na vida de Arnaldo.

No último terço da fita, verificamos o renascimento de Arnaldo como músico e a volta d'Os Mutantes, bem como a constatação da importância que a banda teve para o cenário da cultura mundial, com depoimentos de figuras como Sean Lennon e entrevistas de arquivo de Kurt Cobain, falecido líder do Nirvana. Ver os shows dados por Baptista e companhia em seu retorno (sem Rita Lee, substituída por Zélia Duncan), provoca um sentimento de alegria por Arnaldo, mostrando a volta de um artista ao lugar que pertence.

A despeito da já citada ausência, "Loki – Arnaldo Baptista" é um dos mais importantes documentários sobre o rock nacional. Os problemas e abusos de Arnaldo podem lhe ter rendidos sequelas que o acompanharam pelo resto de sua vida, mas sua contribuição musical durará para sempre. Recomendado

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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