Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Sympathy For The Devil

"Sympathy For The Devil" é um exercício cinematográfico de Jean-Luc Goddard que mistura documentário com um retrato semi-surrealista do panorama cultural da década de 1960. É um filme que contém todos os vícios e virtudes daquela época mágica e conta com um Goddard em plena forma.

O título do longa vem da icônica música dos Rolling Stones, que são mostrados na porção documentário do filme em estúdio dando os últimos retoques nela, sendo bastante forçados pelo seu produtor até chegarem no acerto perfeito. Enquanto Mick Jagger e seus companheiros buscam o modo perfeito de colocarem o demônio em uma faixa musical, Goddard coloca para o público uma bizarra visão dos valores culturais sessentistas.

Assim, acompanhamos em cenas quase oníricas os movimentos hippie e Black Power, além de sequências que mostram um vendedor fascista de revistas (principalmente pornográficas), além de um pequeno toque de anarquia providenciado por um pichador que vandaliza propriedades públicas e privadas para dar espalhar sua mensagem. Sobre essas mensagens, temos a narração de um romance pulp envolvendo personagens com nomes de figuras do cenário político e artístico.

Não há uma trama per si, mas sim um padrão nos sons e imagens jogados para o público pelo cineasta, que podem ser interpretados de diferentes modos, a depender do espectador. Goddard brinca com a violência empregada por certos militantes do movimento negro e com a estranha filosofia adotada pelos membros mais radicais deste. Para isto, o cineasta usa e abusa de imagens que insinuam atos violentos e de críticas bastante pungentes ao discurso utilizado para justificar tais meios.

Quanto ao movimento hippie, encarnado por uma atraente jovem chamada Eva Democracia (Anne Wiazemsky), este é mostrado como uma filosofia atraente, mas simplista. Inquirida por um repórter sobre vários assuntos, a bela Eva se limita a responder "sim" ou "não" a cada um dos questionamentos, não importa quão complexos o sejam, enquanto anda por um belo jardim. A narração do bizarro romance pulp mostra a ironia com que Goddard trata pessoas proeminentes no mundo naquela época (e até hoje mesmo), sendo um dos pontos altos do filme.

Além disso, o filme prega contra aqueles que se utilizam da cultura para vender ideias fascistas, através da leitura de trechos de "Minha Luta", de Adolf Hitler, colocando que, ao adquirir materiais com tal propaganda, o homem está saudando tal filosofia. É interessante notar a quantidade assustadora de materiais pornográficos envolvendo nazistas produzidas naquela época, que são exibidos cuidadosamente em meio a outras revistas dentro da banca onde se passa este esquete.

Visualmente, o filme é simplesmente lindo. Sou fã assumido da fotografia dos longas dos anos 1960, que possuem cores de beleza ímpar e, particularmente no caso desta produção, as imagens simplesmente falam. A câmera de Goddard desliza lentamente pelas locações, sempre com muita calma, não havendo corte dentro dos seguimentos que compõem a fita.

A transformação gradual da música de "Sympathy For The Devil" em um dos maiores clássicos dos Stones é muito bem retratada, com o esforço colocado em cada aspecto da faixa e o perfeccionismo da banda em seu ofício. Enxergamos em cada um dos membros da banda as qualidades, cacoetes e defeitos que os tornaram únicos e Goddard foi extremamente feliz em capturar cenas de plena dedicação do grupo em criar arte.

E "arte" é exatamente a mensagem deste longa, sendo esta a resposta pura de Goddard aos movimentos políticos e pela transformação da cultura em ideologia social, que poderia ser justamente o demônio que ele queria mostrar aqui, um a qual somos tão simpáticos. A grande beleza desta película é que ela não dá respostas fáceis ao público, pedindo que este a entenda a partir de suas próprias experiências e ideologias.

O modo que eu compreendi o longa pode divergir completamente da visão de outras pessoas sobre esta obra, inexistindo uma compreensão absoluta sobre ele. Não assista "Sympathy For The Devil" esperando um mero show dos Rolling Stones, mas sim um manifesto satírico de um artista sobre o tempo em que vive, embalado pelos Stones através de uma música mais do que apropriada. Assim, é plenamente compreensível a frustração (e até a raiva) que alguns espectadores poderão sentir ao encarar esta produção com os olhos errados. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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