Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 11 de abril de 2009

Presságio

Embora tenha alguns furos de roteiro e um início pouco amigável, "Presságio" se revela um filme altamente instigante a partir de seu segundo ato, realmente prendendo o espectador na cadeira, fazendo-o ansiar pela solução da trama, que não decepciona.

Honestamente, eu estava um tanto receoso antes de assistir "Presságio". Não por conta do currículo de seu diretor, Alex Proyas, que comandou dois filmes que adoro, "Cidade das Sombras" e "O Corvo", mas por conta de Nicolas Cage. Em seu histórico recente, o ator participou de verdadeiras bombas como "Motoqueiro Fantasma", "O Sacrifício" e "O Vidente", com sua carreira em plena espiral decadente. No entanto, este "Presságio" pode marcar o início de uma recuperação na reputação do intérprete.

A história do filme é centrada em John Koestler (Cage), um professor de astrofísica do MIT e viúvo recente. Tendo perdido sua esposa em um incêndio, Koestler se tornou um pai solteiro, tendo de cuidar de seu filho, o precoce Caleb (Chandler Canterbury), quase que sozinho. Sem grandes contatos com o restante de sua família, graças a uma antiga briga com seu pai, o protagonista é um homem solitário, que tem em seu colega e melhor amigo Phil e em Caleb seus poucos grandes vínculos com o resto do mundo. Certo dia, na cerimônia de 50 anos de funcionamento da escola de seu filho, uma cápsula do tempo enterrada em 1955 vem à tona, com desenhos feitos pelos primeiros alunos da instituição que são entregues às crianças que agora estudam lá.

No entanto, Caleb acaba recebendo uma sequência de números no lugar de simpáticos rabiscos. Pouco tempo depois, diversos eventos estranhos começam a ocorrer com o garoto e seu pai, com este descobrindo que se esconde algo maior do ele que imagina naqueles números, que parecem listar vários grandes desastres ocorridos nos últimos 50 anos. Com Caleb recebendo visitas de um grupo bizarro, John resolve buscar a verdade por trás destes eventos, contando com a ajuda relutante de Diana Wayland (Rose Byrne), cuja mãe escreveu os números originalmente e que tem sua própria filha envolvida nesta insólita situação.

Em sua cena inicial, "Presságio" se anuncia como um suspense paranormal daqueles já batidos, incluindo a presença obrigatória da menininha estranha pálida e de cabelos negros. No entanto, o roteiro de Ryne Douglas Pearson, Juliet Snowden e Stiles White começa a brincar com essas expectativas criadas pelo público logo de cara, levando a audiência para lugares inesperados no decorrer da projeção. Mesmo não resistindo à tentação de jogar pistas para a plateia do que irá acontecer no decorrer da fita (algo que pode estragar a surpresa para alguns cinéfilos mais atentos) e com alguns furos durante sua a progressão do texto, o desenrolar dos acontecimentos é feito de uma maneira incrivelmente orgânica e assustadora, algo que quase torna esses pequenos problemas irrelevantes.

Neste sentido, a direção de Alex Proyas é primorosa. Sabendo lidar muito bem com este tipo de situação – vide o já citado "Cidade das Sombras" -, Proyas embarca no jogo criado pelos escritores, lançando mão de clichês desses batidos filmes de terror para começar a desconstruí-los depois, lançando o longa em outros gêneros, sempre com sucesso. No entanto, uma constante no filme é a tensão provocada pela busca iniciada por John, que o coloca no epicentro de diversas sequências de tirar o fôlego.

O longa ganha uma nova dimensão a partir de uma cena retratando um acidente aéreo, feita de maneira absolutamente brilhante, seguida por uma sequência filmada em uma só tomada na qual vemos as consequências do desastre. Desse ponto em diante, o ritmo do filme segue em um crescendo que leva à sua apoteótica conclusão, na qual os mistérios colocados logo no início da trama se fecham de uma maneira bastante inesperada.

Proyas conta com o apoio do montador Richard Learoyd para levar o longa nesta progressão e do cinematografo Simon Duggan para dar o clima perfeito, seja para as cenas agitadas ou para aquelas mais reflexivas. O cineasta já havia trabalhado com ambos os profissionais em "Eu, Robô" e a colaboração do trio aqui resulta em um produto digno de elogios. Porém, uma determinada tomada pareceu um tanto forçada, ao entupir a tela com a bandeira americana, colocando um patriotismo que não encontra respaldo no restante da produção, mas trata-se de um mero deslize do diretor (que, aliás, é egípcio) em meio a uma montanha de acertos visuais e narrativos.

Há de se saudar ainda a trilha de Marco Beltrami, compositor que já havia me conquistado em "Os Indomáveis" e cujas composições para este filme casam muito bem com as intenções do diretor em criar um clima de tensão. Além disso, o design de produção feito por Steven Jones-Evans consegue recriar elementos típicos da ficção científica de modo bastante original.

Mas, vamos dar a César o que é de César. Nicolas Cage se encaixou com perfeição para este projeto. Com sua cara de homem comum e desesperado, o ator está ótimo como John Koestler, um ser humano falho que tenta realmente sair do estado de desespero que se encontra. Cage acerta em jamais tentar transformar seu personagem em um herói de ação, uma falha que aconteceria caso esse projeto caísse nas mãos de outro diretor e o papel fosse de um intérprete menos experiente. Sua expressão diante do inevitável na conclusão da trama e sua aceitação quanto a seu papel na história só conseguem ser plausíveis junto ao público graças ao trabalho do ator em transformar John em uma figura real.

Já a linda Rose Byrne explora o lado mais cético desta dupla improvável, tendo realmente uma boa química com Cage, algo que fica evidente na cena no museu. Além disso, a preocupação maternal de Diana é muito bem retratada pela atriz, que passa todo o medo que uma situação extrema como aquela apresentada na história traria. Completando o elenco principal, o jovem ator Chandler Canterbury se sai muito bem como Caleb, enquanto a pequena Lara Robinson não tem tanto sucesso em sua empreitada dupla, vivendo a infante Abby e sua avó Lucinda em sua infância, sem muita segurança em seus diálogos.

Em sua mistura peculiar de gêneros, "Presságio" pode se gabar de ter uma trama original em um mercado cinematográfico inundado de adaptações de outras mídias. Palmas para Pearson e seus colegas pela coragem em investir em algo novo e congratulações para Alex Proyas, em mais um trabalho seguro de direção. Ah, e seja bem-vindo de volta ao mundo dos bons e divertidos filmes, Sr. Cage. Você estava fazendo falta!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe

Saiba mais sobre