Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 11 de abril de 2009

Dragonball Evolution

Faltou muito para que "Dragonball Evolution" fosse o filme que os fãs da franquia nipônica esperavam há tanto tempo. Faltou carisma, direção, coesão, roteiro e, acima de tudo, respeito.

Quando se adapta uma obra de qualquer outra mídia para o cinema, principalmente uma com uma dedicada legião de fãs, nunca pode faltar algo primordial, que é o respeito pelo original. Claro, adaptações devem ser feitas para dar um caráter cinematográfico para a história, mas boas transposições para a sétima arte sabem fazer isso sem desfigurar os elementos que tornaram o que está sendo adaptado em algo especial. Esqueceram de avisar isto à Ben Ramsey e James Wong, respectivamente roteirista e diretor deste desastre intitulado "Dragonball Evolution".

Devo dizer que sou fã de longa data do mangá "Dragon Ball", criado por Akira Toriyama em 1984 e que foi a base para este longa-metragem, mas que não é só por falhar miseravelmente em colocar na tela os elementos que fizeram da versão ilustrada um sucesso até hoje que esta fita é ruim, já que a película consegue ser um fracasso per si. A trama do longa acompanha Son Goku (Justin Chatwin), um jovem que é considerado um perdedor pelos seus colegas de classe, não conseguindo nem falar com uma garota direito. Criado por seu avô Son Gohan (Randall Duk Kim), que treinou o rapaz em artes marciais desde criança, Goku sofre por não poder usar suas habilidades para se livrar dos valentões que o atormentam no colégio.

Em seu aniversário de 18 anos, Goku consegue, finalmente, trocar mais de duas palavras com sua amada Chi Chi (Jamie Chung), a garota mais popular do colégio. Infelizmente, este dia também marcou o retorno de Piccolo (James Marsters), um poderoso alienígena que, 2.000 anos antes, havia quase destruído o mundo e que guarda uma estranha relação com o herói. Após seu avô tombar diante desta ameaça, resta a Goku encontrar antes do vilão as lendárias sete esferas do dragão, que garantem um desejo perfeito. Para isto, ele terá a ajuda da esquentada inventora Bulma Briefs (Emmy Rossum), do pirata do deserto Yamcha (Joon Park) e do excêntrico Mestre Kame (Chow-Yun Fat), o maior mestre marcial do mundo.

Primeiro de tudo é que todos nós já vimos esse filme antes, e não foi na série "Dragon Ball", aliás. O roteirista Ben Ramsey aparentemente achou que colocando os personagens criados por Toriyama na mesma estrutura narrativa de "Star Wars – Episódio IV: Uma Nova Esperança" era uma boa ideia. Ora, assim como Luke Skywalker, Goku foi adotado, encontrou a pessoa que lhe criou morta pelos vilões, procurou um velho sábio e encontrou um pirata que, no fundo, tinha um bom coração, e este se apaixonou pela garota durona que luta junto dos mocinhos.

Não contente com isto, o filme ainda conta com Goku tendo visões cada vez que toca as esferas do dragão, algo muito parecido com os flashes que Pippin e Aragorn tiveram ao tocar o palantír em "O Senhor dos Anéis", tendo até um "Olho de Sauron" genérico. Sem contar que a cena final do filme foi tirada diretamente da de "Rocky III – O Desafio Supremo". Até as cenas no colégio parecem tiradas de "High School Musical". Trocando em miúdos, o que o roteiro fez foi costurar elementos de vários filmes de sucesso com uma ou duas coisas do mangá, achando que isto iria funcionar com o público ocidental. Pior: ao invés de minimizar essa sensação de deja vu criada pelo script, o diretor James Wong a abraça, canibalizando o visual dessas franquias de sucesso.

O elenco também não ajuda a salvar esses personagens da mera caricatura. Justin Chatwin não possui o mínimo carisma para carregar um filme desse porte como protagonista. Insípido e totalmente perdido nas cenas que (tentam) desenvolver Goku, a única cena na qual o personagem consegue fazer rir é a na qual tenta alisar seu cabelo e, mesmo nesta, as risadas só aparecem pelo ridículo da situação e não por seu timing cômico. Já nas cenas que lidam mais com magia e elementos fantásticos, Chatwin consegue chegar ao nível do humor involuntário, jamais acreditando ou levando a sério aquele universo.

Emmy Rossum até que convence como a inventora durona Bulma, mas não possui nenhuma química com Joon Park, interprete de Yamcha. Aliás, o personagem de Park é, essencialmente, inútil, aparecendo do nada e jamais fazendo algo de útil além de uma tentativa de flerte com seu par, sendo um dos mais descaracterizados em relação a sua contraparte de papel. Chow-Yun Fat, que deve ter trazido ao cast para dar a este um pouco mais de respeitabilidade, parece incomodado em suas cenas, apesar de ao menos tentar interpretar de maneira decente seu Mestre Kame. Jamie Chung, certamente a mulher mais linda no filme, é apenas… linda, com sua Chi Chi passando quase que batida durante a projeção.

Do lado dos vilões, James Marsters não possui nenhum tempo de cena para tentar desenvolver seu Piccolo de maneira razoável. Toda vez que o personagem aparece está demasiadamente ocupado fazendo maldades (que nunca aparecem em cena, somente em elipses) ou lutando para explicar de onde veio ou qual é o seu objetivo. Tem-se uma menção a uma vingança por ter sido aprisionado, mas não se diz de onde ele veio ou como foi libertado. Enfim, sem nenhum background ou mesmo história, Piccolo nunca consegue ser um antagonista interessante. Já sua ajudante, Mai, é interpretada pela atriz Eriko, que entra muda e sai calada do longa e nem mesmo tem seu nome dito durante o filme.

Para piorar a situação, o diretor James Wong não consegue mostrar competência nem comandando as cenas de ação, que sempre aparecem ridiculamente artificiais e pouco interessantes. Logo na cena inicial, na luta de treino entre Goku e Gohan, o cineasta investe em closes extremamente cafonas das gotas de suor do jovem protagonista, para depois mostrar a voadora que mais claramente usou cabos na história dos filmes de artes marciais. Tal decepção foi uma surpresa infeliz, já que Wong tinha comandado anteriormente "O Confronto", fita que ao menos contava com brigas bem coreografadas.

Já os efeitos especiais nunca parecem convincentes, usando e abusando de chroma-keys óbvios. O desespero em esconder os defeitos de computação gráfica foi tão grande que várias cenas onde eles aparecem foram escurecidas para tentar minimizar o problema, criando outro maior ainda já que, com a escuridão, o público não consegue acompanhar o que está acontecendo em cena e ainda cria um abismo maior ainda em relação à obra original, que sempre primou pelas cores e brilho em suas histórias.

Em sequências mais iluminadas, como na aparição do gorila gigante Oozaru, nota-se claramente a falta de competência das equipes de efeitos visuais. O "dragão" Shen Long mais parece uma lagartixa pintada de dourado (!). Para não dizer que não falei das flores, o efeito de compactação da moto de Bulma até que é bem realizado e remete aos designs de Toriyama. A maquiagem do vilão Piccolo e de seus asseclas está risível, mais parecendo a de vilões das primeiras temporadas de "Power Rangers", com tais inimigos jamais assustando ou impondo respeito junto ao público. Nem em sua direção de arte o filme consegue se sair bem, com exceção do interior da casa do Mestre Kame, único ambiente que ao menos lembra o mangá.

Com uma montagem péssima, os 89 minutos de projeção passam feito uma lesma, com a fita parecendo bem mais longa do que realmente é. Extirpando Goku de sua essência do desejo de sempre ser o melhor, "Dragonball Evolution" não passa de um filme fraco com um apanhado de referências a um universo ficcional conhecido, chegando ao ponto de quase insultar aos fãs da obra original. Para o público em geral, a película não passará de apenas mais uma aventura de ação rala em cartaz, podendo até divertir os espectadores mirins, mas sendo uma péssima experiência para os cinéfilos um pouco mais velhos.

P.S.: Há uma cena após os créditos que já prepara o terreno para a continuação, aparentemente já roteirizada, do filme. Tenham medo.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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