Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 11 de abril de 2009

Reflexos da Inocência

Se Daniel Craig queria sair do estereótipo “Jamesbondiano”, este ainda não é o filme que lhe garantirá tal feito. Mesmo apresentando uma narrativa redondinha e com bons momentos aqui e acolá, o primeiro longa de Baillie Walsh fica aquém do que poderia ser, embora apresente um personagem honesto, como há tempos não se vê na telona.

“Reflexos da Inocência” é um filme de iniciação para seus maiores envolvidos. Este é o primeiro longa de Baillie Walsh, que vem de uma carreira bem sucedida em videoclipes. Para o ator Daniel Craig, o filme também tem um gosto novo, já que é o seu primeiro trabalho como produtor. Tratando-se de uma estreia, ambos se saíram bem ao contar uma história que, apesar de não ser nenhuma novidade, chama a atenção pela estética cuidadosa, ótimas atuações e referências musicais.

Joe Scott (Daniel Craig) é um astro de Hollywood que há muito não está sob os holofotes. Com uma carreira decadente, ele amarga fracassos e o esquecimento da mídia. Aos 40 anos, viciado em cocaína e em si mesmo, ele já não é a estrela de outrora. Seus dias resumem-se a sexo, drogas e à companhia de uma empregada, a única que parece ainda lhe dispensar alguma consideração. Ao ser chutado pelo seu agente e ser informado da morte de um de seus melhores amigos, ele é forçado a encarar seu passado e reencontra tudo o que deixou pra trás, inclusive uma tragédia, responsável por mudar os rumos de sua vida naquela época.

O jovem Joe (Harry Éden) vive sua infância e adolescência ao lado de seu melhor amigo (Max Deacon) no litoral da Inglaterra. Inseparáveis, compartilhavam aventuras e sonhos típicos da idade, mas essas cenas servem apenas para fazer o contraponto com o que ele se tornou no futuro e justificar suas ações do passado. É no âmbito familiar que as coisas se desenrolam para o personagem, que, como todo adolescente descobrindo sua própria sexualidade, não consegue dizer não às investidas de uma mulher casada e muito mais velha. Essa relação, proibida e baseada nas necessidades pessoais de cada um, resulta em uma conturbada reviravolta na existência de ambos.

O filme aborda temas tensos que envolvem família, escolhas, auto-destruição, desejo e perdão. Apesar disso, ainda acha espaço para fazer uma leitura ao estilo de vida de muitas celebridades da meca cinematográfica, mostrado no estilo de vida de seu personagem principal e na forma como as pessoas o enxergam, comicamente mostrado em uma cena de suposta agressão física à sua empregada. Outro ponto forte é quando, ainda adolescente, Joe e o seu grande amor vestem roupas a lá Ziggy Stardust e dublam “If There’s Something” da banda setentista Roxy Music. É “glam” e saudosismo de encher os olhos!

Quantos às interpretações, todos os olhares se voltam a Craig, e essa preferência é justificável. Ele consegue fazer um artista arrogante, egoísta, fútil e detestável, um homem sem motivações, insatisfeito consigo mesmo e que reflete isso em cada palavra, ação e pensamento. Quando o desfecho do longa se aproxima, o sentimento do público se transforma junto com a mudança que Scott realiza em si, e quem pelo menos conhece um pouco de cinema, sabe que é raro um ator conseguir mudar a opinião do público após construir um perfil de personagem.

O roteiro escrito por Walsh é simples e não se arrisca em auto-piedade excessiva, divagações ininterruptas ou verborragia por parte do elenco principal. É nítida a preocupação do diretor em conduzir a história de uma forma sensível. Muitos momentos emocionam, nos levam às lágrimas, mas não de uma forma gratuita. A fotografia, de encher os olhos, transita entre cores fortes e suaves, brincando com os contrastes nos momentos de maior impacto, e trabalha bem na edição. Ex-diretor de videoclipes, Walsh manteve vivos ainda alguns “vícios”, entre eles o bom gosto para a trilha sonora (Bowie nunca foi tão bem utilizado), apesar de às vezes pecar pelo excesso.

Honesto e sensível, “Reflexos da Inocência” poderia ir mais além. O desfecho simplista poderia ser mais “desconstruído”, talvez mostrando o que Joe conseguiu fazer com essa tal “reflexão” de que trata o título. Sua redenção, ainda que bela, é quase instantânea, o que deprecia um pouco o clímax da história, deixando o público receoso quanto à súbita mudança.

O saldo é que o filme foi feito para mostrar que o ator, que sofre do estigma de ser 007, encontrou aqui um papel que lhe faz jus e mostra que tem talento, muito talento.

Debora Melo
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