Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 11 de abril de 2009

Rebobine, Por Favor

Michel Gondry exalta seu amor pelo cinema utilizando uma visão de passado que se enquadra perfeitamente em nosso futuro. Assim é “Rebobine, Por Favor” uma comédia inteligente e sintonizada com a história da sétima arte, antiga e atual.

Quem não se lembra dos avisos nas locadoras, ou mesmo nas próprias fitas que alugávamos dizendo: “Rebobine, Por Favor”. Pois esse é o titulo da excelente comédia do francês Michel Gondry, que traz com espírito de camaradagem mais um ótimo adendo a seu currículo.

O filme conta a história de uma vídeo locadora de VHS que tem seus dias contados. Elroy Fletcher é o dono da “Rebobine, Por Favor” e está sofrendo fortes pressões para desistir de seu negócio. Além de seu antigo e surrado prédio estar incomodando a vizinhança com o aspecto desmantelado que possui, o comércio de aluguel de fitas cassetes não vai bem, devido ao império do DVD. Ele decide então ir atrás de soluções para seus problemas, deixando como responsável do negócio seu fiel funcionário Mike.

Tudo ia bem para Mike, até seu amigo paranóico Jerry colocar em ação um plano contra a rede elétrica que fica ao lado de seu trailer no ferro velho onde trabalha. Resultado: ele sofre uma fortíssima descarga e acaba magnetizado. Isso o faz acidentalmente apagar todas as fitas da locadora de seu parceiro de finais de tardes tediosas.

Visando honrar a confiança depositada por Elroy, Mike tem a desesperada ideia de gravar, com a ajuda de Jerry, clássicos do nosso cinema que vão de “Os Caça Fantasmas” a “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, no intuito de enganar clientes mais desavisados. As versões acabam fazendo muito sucesso e eles viram os astros do momento. Filas e filas se formam na pequena “Rebobine, Por Favor” e eles quase não conseguem acompanhar a demanda de pedidos clássicos que devem ser “suecados” (expressão usada no filme que se assemelha ao nosso termo “paraguaio”). Esse sucesso todo desperta a atenção dos estúdios e eles acabam tendo problemas com os homens da lei e seus tão preciosos direitos autorais.

O elenco forma uma família bem unida e a interatividade é muito espontânea. Jack Black interpreta o amalucado Jerry e, como sempre, entrega uma interpretação insana, caricata e verdadeiramente entusiasmada. Black preenche com perfeição esse papel que realmente nos remete ao cinema pastelão. São dele as cenas mais surreais – tão costumeiras de Gondry -, como no momento em que, após tirar água do joelho atrás de um carro, o rastro amarelo que corre pela sarjeta atrai todo tipo de metal. O personagem Jerry é um cara insatisfeito com sua vida, o lugar onde vive não é grande coisa e seu trabalho no ferro velho é menos ainda. E é por isso que depois que ele vira um astro no bairro, não quer voltar as suas teorias de conspiração contra o governo ou mesmo a rede elétrica.

Já o esforçado Mike é interpretado pelo carismático rapper Mos Def, que entre dramas, aventuras e comedias, tem feito alguns ótimos filmes como o excepcional “O Guia do Mochileiro da Galaxia”. Mike é um desses caras 100% tranquilo. Não é bobo nem nada, mas guarda uma inocência que por vezes poderia ser encarada como uma fraqueza. Com seus valores baseados em heróis esquecidos, como o músico Fat Willians, ele valoriza muito seu bairro, seus vizinhos e seu emprego, e assim faz o que é possível para ter crédito com todos.

No time de coadjuvantes temos os veteranos Danny Glover, como o confiante Elroy Fletecher, e Mia Farrow interpretando a simpática Senhora Kimberley, por quem Elroy tem uma quedinha. No papel da vilã Senhora Lawson está Sigourney Weaver, que mesmo com poucos minutos de cena acaba chamando atenção. Uma ótima novidade do filme é a latina Melonie Diaz que interpreta a cooperativa Alma, que fica com o cargo de par romântico deste par de lunáticos.

O diretor Michel Gondry fez fama ao dirigir estranhos clipes da excêntrica cantora Björk, e após o subestimado “Natureza Quase Humana” realizou o excelente “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” – ambos os filmes com roteiro de Charlie Kaufman, uma das vozes mais criativas do cinema atual-, e assim ganhou visibilidade como diretor. Em “Rebobine, Por Favor”, do qual também é o roteirista, Gondry optou por uma comédia pura, que traz um forte caráter metalinguístico, fazendo de forma muito inteligente um paralelo entre o cinema de antigamente e o nosso boom atual do “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, que foi potencializada pelo site Youtube. Sem a capacidade tecnológica de hoje, o cinema de 20, 30 anos atrás tinha de se valer de ideias geniais, e essa é a realidade do cinema independente atual, ou mesmo amador.

Todas as trucagens usadas por grandes mestres foram lembradas. Cenas em que são exploradas diferentes perspectivas estão presentes. Os elementos usados por Stanley Kubrick em “2001 – Uma Odisseia no Espaço” estão lá – como na famosa cena em que o astronauta parece andar de ponta cabeça, mas na verdade é câmera que está girando e produzindo este efeito. Gondry é louco por estas artimanhas e sempre as usou em seus trabalhos. Ele se recusa a usar computação gráfica em demasia. Seu sistema de stop motion (captura de quadro por quadro) é realmente fantástico e diferenciado.

Com forte apelo comercial, o filme “Rebobine, Por Favor” já havia virado febre antes mesmo de chegar aos cinemas. Uma propaganda viral foi feita na internet apresentando teasers com pequenos trechos das versões malucas do filme, além de outras curiosidades como o diretor Gondry resolvendo um cubo mágico com os pés, mas sendo desmascarado mais tarde – para a alegria dele – por outro internauta que percebeu que a imagem que o diretor usou estava de trás para frente. Tudo para a divulgação mássica do filme, o que acabou funcionando, pois o trabalho foi muito bem recebido por público e crítica especializada.

E no final, com muito estilo e com tons de homenagem, o diretor francês realizou um filme esteticamente atraente e irresistível. Apesar de ser uma história aparentemente simples, o filme é uma crítica a acomodação e a falta de memória para com aqueles que serviram de alicerce para tudo que conhecemos de melhor nos dias de hoje. Com um saudosismo muito cool, o diretor achou a receita exata do bolo, unindo novas e já não tão novas gerações em uma única linguagem, em uma mensagem despojada de qualquer padronização e estigmas.

No filme, o simbólico documentário sobre a vida de Fat Willians, que foi realizado por toda a vizinhança, mostra que um filme simples, sem recursos e muitas vezes distante de ser considerado uma obra de arte, tem uma função muito maior, que é de unir diversos pensamentos em uma mesma frequência. Podemos entender então que esta união é uma arte, entretenimento é apenas seu apelido.

Ronaldo D`Arcadia
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