Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 09 de abril de 2009

Jornada Nas Estrelas III – À Procura de Spock

"Jornada nas Estrelas III - À Procura de Spock" é um filme menos bem acabado e cinematográfico que seu predecessor. No entanto, o capítulo do meio da "Trilogia Gênesis" tem lá o seu charme, ao menos para os fãs.

É até irônico que Leonard Nimoy, intérprete do lógico Sr. Spock, seja o diretor deste "Jornada nas Estrelas III – À Procura de Spock". A ironia reside no fato de que este é, certamente, o mais emotivo dos filmes, contando com mortes, renascimentos e a destruição de um ícone da ficção científica. Continuando do mesmo ponto de onde "Jornada nas Estrelas II – A Ira de Khan" terminou, o longa não perde tempo estabelecendo o que ocorreu após os eventos daquele filme.

Enquanto o Almirante James T. Kirk (William Shatner) e seus companheiros estavam voltando para a base da Frota Estelar, ainda de luto após a morte do Capitão Spock, o torpedo Gênesis, dispositivo capaz de transformar qualquer corpo celeste inerte em um capaz de sustentar a vida, tornou-se centro de uma polêmica galáctica, graças a seu potencial destrutivo, com o Império Klingon ansioso para descobrir os segredos do aparato. A Federação dos Planetas Unidos decidiu, então, colocar o assunto em panos quentes até que se decida o que se fazer com o poderoso maquinário.

Além disso, Kirk deve lidar com o aparente enlouquecimento do Dr. McCoy (DeForest Kelley) e com o fato de que sua adorada Enterprise está próxima de ser desativada permanentemente. Com tantas perdas, ele ainda tem de lidar com uma alarmante notícia dada por Sarek (Mark Lenard), pai de seu recém-falecido amigo, de que a insanidade aparente de McCoy e a morte de Spock estão ligadas, forçando-o a agir contra as ordens da Federação e da Frota Estelar para tentar ajudar seus companheiros.

Estudando o planeta Gênesis, acidentalmente criado após os eventos do filme anterior, estão o filho de Kirk, Dr. David Marcus (Merritt Butrick), e a Tenente Saavik (Robin Curtis), que acabam por descobrir que o recém-criado mundo está prestes a ruir. Além disso, acabam por encontrar o caixão de Spock, aberto e vazio. O modo como o corpo, agora rejuvenescido, do nobre meio-humano/meio-vulcano ressuscitou é um mistério a ser desvendado, mesmo em meio à ameaça klingon representada pelo cruel lorde guerreiro Kruge (Christopher Lloyd).

É interessante notar que, com Spock fora de circulação e sem o clássico triângulo formado por ele, Kirk e McCoy, os demais personagens da Série Clássica da franquia voltam a ter o destaque que merecem, após passarem praticamente em brancas nuvens no filme anterior. Assim, é bom ver novamente Kirk e McCoy trabalhando efetivamente ao lado de Sulu (George Takei), Scotty (James Doohan), Uhura (Nichelle Nichols) e Chekov (Walter Koenig), em sequências deliciosas como na "apropriação indébita" da Enterprise por sua tripulação.

É extremamente agradável ver esses personagens – e atores – trabalhando juntos. Até mesmo as falhas individuais de cada um daqueles intérpretes somem quando estão juntos em uma cena, um fenômeno raro, até. Aliás, o roteiro escrito por Harve Bennett (responsável pelo argumento do longa anterior) é extremamente hábil em lidar com as diversas figuras apresentadas ao longo da narrativa.

Além dos tripulantes da Enterprise, dos ameaçadores klingons e de David e Saavik, vemos novamente o embaixador Sarek, em sua primeira aparição na franquia desde a série animada da saga, em 1973. Realizar isso sem comprimir personagens ou descaracterizá-los é algo digno de louvor. No entanto, mesmo sabendo lidar muito bem com essa multidão de personagens, o script de Bennett falha em estabelecer de maneira clara a ligação entre Spock e o planeta Gênesis, algo primordial para que o público "acredite" na volta do personagem.

Sem contar que, após Kirk e seu grupo terem enfrentado um inimigo tão intricado e cativante quanto Khan, o klingon genérico Kruge vivido por um exagerado Christopher Lloyd se torna muito menos do que memorável. Mesmo com a crueldade deste, jamais sentimos que o vilão é um inimigo a altura do líder da Enterprise. O que é uma pena, pois um antagonista forte ao invés de um mero fantoche do texto realmente faria a diferença junto à produção.

DeForest Kelley tem seu grande momento na saga, vivendo um Dr. McCoy atormentado pela dor de seu papel na volta de seu amigo. Kelley exprime as intrincadas nuances das dificuldades passadas por seu personagem, preso em circunstâncias além de seu controle, de modo natural, quase que eliminando o elemento fantasioso daquelas condições. A introdução de diversos elementos da espiritualidade vulcana pode causar um certo choque aos acostumados ao estoicismo da saga, mas trata-se de um acréscimo fascinante à mitologia da franquia, e o bom doutor é parte fundamental nisso, basicamente representando o espectador naquele mundo novo.

Em contrapartida, William Shatner aparece mais exagerado do que nunca como o Almirante Kirk. Não ajuda muito o fato de que ele é o protagonista de algumas das cenas mais dramáticas do filme. Shatner convence e muito como herói, mas como sofredor o resultado chega a ser cômico certas vezes, vide a cena na qual ele é informado por Saavik de um trágico evento. Vale ressaltar que Kirk não está lá muito bonzinho no filme, ressaltando o caráter um tento rebelde do personagem, o que condiz muito bem a este – vide o incidente da Kobayashi Maru, citado no longa passado.

A troca na intérprete de Saavik – anteriormente vivida por Kirstie Alley e agora ganhando as formas de Robin Curtis – ocasiona uma quebra na continuidade entre este filme e o anterior, mas Curtis se sai tão bem que este problema é relevado. Do outro lado do espectro está Mark Lenard, que interpretou Sarek no filme, já havia desenvolvido o personagem na Série Clássica, e voltou ao papel em outras fitas da saga e em dois episódios de "Jornada nas Estrelas – A Nova Geração". Aqui, Lenard tem a complicada tarefa de encarnar um homem que, embora guiado pela lógica, tem de pedir que alguém contrarie a máxima de seu povo ("as necessidades de muitos suplantam as necessidades de poucos") para salvar a vida de seu filho. Tal complexidade, muito bem expressada pelo ator, torna memoráveis as curtas aparições do personagem.

Como diretor praticamente estreante, Leonard Nimoy comete alguns pecadilhos durante a produção. Note que as telas da ponte Enterprise estão um pouco mais desleixadas, ficando até datadas nos dias de hoje, algo que não acontecia em "A Ira de Khan". Outro problema é que Nimoy parecia ainda um tanto inseguro em determinadas tomadas junto aos atores, algo que transparece principalmente nos monólogos de Shatner e Lloyd, embora tenha acertado em não pontuar esses momentos com uma trilha sonora.

Sua mania em colocar algumas legendas redundantes em determinados momentos do filme para "cimentar" a dramaticidade dessas cenas acabam por poluir a tela de maneira desnecessária. Fora que a escolha do diretor em colocar os flashbacks no início do filme em um tom azulado, remetendo diretamente ao antigo cinema francês, causa uma distração visual, em nada acrescentando ao filme.

Além disso, o cineasta não mostrou muita habilidade nas conduções das cenas de batalha, com as explosões no interior das naves não produzindo o impacto desejado. Já a cena de luta corporal entre Kirk e Kruge no clímax do filme chega a ser ridícula, parecendo algo vindo de um quadro do antigo programa de TV dominical "Os Trapalhões". No entanto, o cineasta soube trabalhar muito bem no crescendo de tensão que envolve a já citada cena do roubo da Enterprise, bem como apresentou de forma eficaz a trama no primeiro terço da produção, já capturando a atenção do público.

A despeito de seus problemas, "Jornada nas Estrelas III – À Procura de Spock" acerta em cheio no coração dos fãs, que certamente irão se emocionar ao ver a veterana tripulação da Enterprise tão bem caracterizada e entrosada nas telas novamente, saindo do filme com um sorriso nos lábios após ouvirem os acordes da trilha de abertura da Série Clássica que toca no final da história. Já os não-trekkers não terão tantos motivos para sorrir com esta produção…

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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