Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 22 de março de 2009

Pagando Bem Que Mal Tem?

Hollywood sempre repete suas fórmulas. É perceptível que há as mesmas tramas sendo filmadas, diferenciando só o elenco e, às vezes, algumas angulações. Kevin Smith traz em sua nova comédia o bom uso de uma ideia enlatada para mostrar com muito bom humor a aventura de um casal pelo mundo pornô e, em contrapartida, do amor.

Não preciso dizer o quão ingrato é o título nacional "Pagando Bem, Que Mal Tem?". Vindo de "Zack and Miri Make a Porno" ("Zack e Miri Filmam um Pornô", em tradução livre), a distribuidora apropriou-se de um jargão conhecido pelos brasileiros para chamar atenção. Talvez até dê certo, mas provavelmente alguns poderão se sentir desconfortáveis ao retirar os bilhetes do cinema no caixa. Mesmo assim, a ideia do jargão se enquadra bem com a proposta do filme de Kevin Smith, que é, principalmente, a vergonha alheia. O público é colocado como vouyer das desventuras de um grupo de loucos, no melhor sentido da palavra, na tentativa de fazer um filme pornô.

A indústria pornográfica é uma das maiores do mundo. Nem sempre é preciso de um enredo para ter um "filme bom", contando com um público cativo em todas as ocasiões. Celebridades já tiveram suas sex tapes divulgadas na internet e, assim, criou-se um costume de associar o que é pornô ao que é literalmente escrachado. Há uma diferença enorme entre filme pornô e erótico, e alguns diretores fazem mal uso desses conceitos. Em "Pagando Bem, Que Mal Tem?", Smith deixa claro que a pornografia é seu objeto dramático, porém é usado como catalisador de uma relação amorosa entre seus protagonistas. Entretanto, ao mesmo tempo que ele fala de pornografia e escracha em alguns momentos, o diretor acaba investindo mais no que é erótico do que pornô em si, que incomoda em parte.

Na trama, Zack (Seth Rogen) e Miri (Elizabeth Banks) são amigos de infância que vivem sob o mesmo teto. Um dia, enquanto Miri toma banho, a água da residência é cortada. Logo, as dívidas aumentam e eles ficam sem energia e se preocupam com o aluguel. Para ganhar dinheiro fácil, os amigos se aproveitam de um insight proveniente de uma festa e um infortúnio acontecido com Miri (o termo "calcinha da vovó" é hilário) para perceber que a produção de um filme pornô é um bom meio de "ficar rico". Para isso, eles juntam algumas pessoas que se disponibilizariam na produção de tal filme. Não é muito difícil de supor que Zack e Miri passem a perceber, durante as filmagens, que entre eles existe um sentimento que não é apenas amizade. Esta é uma fórmula batida: os amigos que passam por um problema, brigam e depois percebem que são apaixonados. Porém, o que dá o diferencial no longa é o humor negríssimo do nerd Kevin Smith e a competência de seu elenco.

Smith, também roteirista, traz uma história cheia de piadas bregas e nem sempre de bom gosto. O escatológico também está presente e na medida certa. Claro que existe nudez e sexo (de brincadeirinha), porém isso é o que a censura de 16 anos pode relevar. Conhecido por seu humor refinado, Smith está afiado como sempre. Sua natureza nerd também transparece nos diálogos rápidos dos personagens. "Star Wars" ganha sua versão pornô, "leme holandês" vira verbete sexual e Bubbles é o nome de guerra adequado de uma das personagens. O filme pode assustar em seu formato a quem não tem tanta afinidade com a liberdade e descontração com que Smith constrói suas obras. Por mais que este não seja um filme perfeito, por suas várias falhas, ele diverte a quem está disposto a rir da cara dos outros.

Em contrapartida, Smith tem oscilações de roteiro que atrapalham o ritmo da trama. A mais grave é justamente a paixão que surge entre Zack e Miri. Tudo bem que eles se conhecem desde sempre, mas não necessariamente há uma paixão internalizada entre duas pessoas que sabem tudo uma da outra. Smith se preocupa em fazer gracinha com tudo, mas na hora de mostrar que um amor verdadeiro está surgindo, a barra é forçada e quase não acreditamos, a não ser pela atuação maravilhosa de Elizabeth Banks, a grande estrela do filme, que consegue ir da comédia à sensibilidade dramática facilmente. Além disso, Smith inclui cacoetes que não acrescentam muito à trama, o que na verdade seria mais interessante focar na vida dos coadjuvantes, que são interessantíssimos. Na direção, o cineasta não inova nem cria uma estética atrativa, padecendo até a uma edição irregular, mas não atrapalha as situações cômicas.

Se Smith teve sorte neste filme foi em relação ao elenco grandioso. Seth Rogen despontou no gênero da comédia. Por mais que seu personagem seja mais caricato do que as atrizes pornôs do longa, Rogen dá seu charme à trama, principalmente por sua visão sobre sexo. Elizabeth Banks, além de linda, mostra seu talento pouco explorado no cinema hollywoodiano. A química entre Rogen e Banks é tão grande quanto a desproporção estética de ambos, e isso os torna curiosos. Os debates que eles levantam são sempre cômicos, sem deixar de serem instigantes.

Entre os coadjuvantes, Craig Robinson rouba a cena como Delaney, o produtor inexperiente de filmes pornôs que vive em constante crise conjugal. Katie Morgan e Jason Mewes são Lestes e Stacey, dois amantes de sexo, e que funcionam como o casal que contrapõe os sentimentos de Zack e Miri. Traci Lords, como Bubbles, e Ricky Mabe, como Barry, são os que mais sofrem com a pouca atenção que recebem, quando talvez a condição deles rendesse muito mais risadas. A participação de Justin Long e Brandon Routh como o casal gay em crise também rende bons momentos, principalmente quando Zack se posiciona sobre uma discussão de relacionamento gay.

"Pagando Bem, Que Mal Tem?" é uma comédia quase completamente despudorada e inteiramente divertida. Estereótipos e clichês não faltam, mas bom humor também não, que é o principal diferencial da comédia de Smith para as produções enlatadas que Hollywood faz todos os anos. Vale lembrar que, após os créditos, ainda há um vídeo "institucional" apresentado por Zack e Miri, que também é imperdível. No mais, diversão e sexo nunca pareceram tão complementares quanto neste longa!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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