Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 12 de março de 2009

Chegadas e Partidas

A história do cinema já tratou de mostrar, inúmeras vezes, o quão difícil podem ser as adaptações literárias. Nem sempre os roteiros conseguem transmitir a essência da narrativa, tornando algumas obras verdadeiras lendas infilmáveis. Talvez esse seja o caso de "Chegadas e Partidas", filme baseado no romance homônimo de E. Annie Proulx (Pulitzer de 1993).

Repleto de subjetividade, lirismo e muito drama, o longa aborda vários assuntos para mostrar as transformações de um homem no processo de re-descobrir, aos 36 anos, o sentido da vida. O filme retrata a história de Quoyle (Kevin Spacey). Sua personalidade maleável, moldada por uma infância traumática, acaba por transformá-lo em um sujeito apático, permissivo e sem nenhum amor próprio. Ele não tem objetivos determinados e por isso sempre se deixa conduzir pelos acontecimentos.

É dessa forma que ele encontra Petal (Cate Blanchet), uma mulher desequilibrada e egoísta, por quem nutre um amor obsessivo, mas que consegue trazer algum sentido para os seus dias. Com o casamento vem a pequena Bunny (interpretada pelas trigêmeas Alyssa, Kaitlyn e Lauren Gainer), que acaba tornando-se uma grande companheira para Quoyle. O repentino suicídio dos pais e a morte da esposa adúltera em um acidente de carro acabam por proporcionar uma reviravolta à sua fracassada vida. Forçado a encarar seus medos e fracassos em uma terra desconhecida (Newfoundland), ele conta com a ajuda de Agnis Hamm, sua recém-descoberta tia, para se tornar um novo homem.

O roteiro, escrito a quatro mãos por Proulx e Robert Nelson Jacobs, por vezes torna o drama um pouco devagar, mas não se engane. Intimista e sensível, o longa possui uma narrativa propositalmente lenta, já que é movido pelas transformações emocionais de seu personagem central. O espectador deve ficar alerta é para as sutilezas e as metáforas da história, seja nos diálogos, na fotografia, nas expressões de Kevin Spacey e principalmente, nas entrelinhas do roteiro.

É a mudança de atitude de Quoyle que determina o fluxo dos acontecimentos e da narrativa. O amadurecimento é construído face à necessidade de se impor como homem, como profissional e como pai. É no jornal local, onde começa a trabalhar como repórter, que faz grandes amigos e ganha um mentor, Billy, um jornalista experiente que lhe ensina um novo olhar sobre os fatos, olhar este que utiliza também na sua vida pessoal.

Kevin Spacey é um ator de inquestionável talento, mas aqui, suas expressões, a forma de falar e os ombros sempre caídos e a cabeça baixa soam forçados. Blanchett faz de sua egocêntrica Petal um deslumbre visual. Camaleoa, nem de longe lembra a austeridade de Elisabeth I ou da mágica personagem da triologia “O Senhor dos Anéis”. A discrepância com o personagem de Spacey é gritante, um bom contraponto de imagens e de interpretações. Ponto para o filme. Julianne Moore faz direitinho o papel de mulher solitária e sofredora, mas não é uma atuação memorável. Já a Agnis de Judi Dench é forte, dura, ressentida e esplêndida. Não à toa, a atriz britânica é considerada uma das melhores do cinema.

Apesar de ter em mãos um grande arsenal de trabalho (humano e técnico), o filme fica devendo e acaba como mediano. Lasse Hallström, conhecido pelos ótimos "Regras da Vida", "Gilbert Grape – Aprendiz de Sonhador" e "Chocolate", apesar de todo o background e de notável reconhecimento de crítica, fica aquém do esperado. O filme vai da rapidez, nos 20 minutos iniciais, a um declínio de velocidade absurdo. Quoyle é um personagem complexo, cheio de nuances e desdobramentos que não foram bem explorados. Doses de romance e humor são pinceladas aqui e ali, mas não aprofundam, não emocionam. A fotografia, que poderia render muito mais, fixa-se apenas em um par de cenas que impressionam. Nem mesmo a trilha sonora da competentíssima Rachel Portman ("Chocolate") agrada.

O que se pode dizer? Todos os ingredientes necessários para um grande filme estavam lá, mas na verdade, o diretor tem apenas em seu elenco e nas lindas tomadas aéreas de Newfoundland os pontos fortes desta película. Para falar de tragédias pessoais, dramas e sofrimentos infindáveis, Hallström e Jacobs batem na tecla da mesma fórmula de sempre. A direção arrastada não ousa e o roteiro não parece ter encontrado um equilíbrio entre o que era e o que se queria. O resultado que fica é de um filme que tinha tudo para ser inesquecível, mas não é. Uma pena!

Debora Melo
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