Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 07 de março de 2009

Menino da Porteira, O

O que esperar de um filme que tem como protagonista o cantor Daniel? A princípio, a especulação é de um longa desprezível, mas “O Menino da Porteira” possui seus méritos, que vão desde a história cativante até a bonita trilha sonora, composta por clássicos da música sertaneja do país.

O cinema mundial possui inúmeras histórias de pessoas ligadas à música que tentaram diversificar e se arriscaram pelas telonas. Alguns obtiveram êxito, mas outros nem tanto assim. Os exemplos mais categóricos de sucesso são Frank Sinatra e Barbara Streisand. Enquanto o primeiro venceu o Oscar de melhor ator coadjuvante por “A um Passo da Eternidade” (1953), Streisand ganhou o prêmio de atriz principal por “Funny Girl” (1968). Mais recentemente, devem-se ressaltar as belas tentativas de Norah Jones, em “Um Beijo Roubado” (2008), e de Beyoncé Knowles, em “Dreamgirls” (2007). Mas o fracasso não deixou nem Britney Spears em “Croassroads – Amigas para Sempre” (2002), nem Carla Perez, no bisonho (na falta de outro adjetivo pior) "Cinderela Baiana" (1998), escaparem.

O resultado de Daniel não se assemelha ao das duas últimas citadas, porque felizmente “O Menino da Porteira” vai muito além da interpretação do cantor. Porém, não merece grandes elogios. A película é uma refilmagem de um megasucesso dos anos 70 protagonizado por Sérgio Reis que levou 4,5 milhões de espectadores às salas de cinema. A trama conta a história de Diogo (Daniel), um boiadeiro independente que vive de conduzir boiadas a serviço de fazendeiros. Desta vez, o vaqueiro está responsável pelo gado do major Batista (José de Abreu), um latifundiário dono da fazenda Ouro Fino, localizada no interior de São Paulo.

Quando chega à região, Diogo se vê em meio a uma disputa de poder. Revoltados com os mandos e desmandos do major, os quais impedem o crescimento de seus negócios, os pequenos fazendeiros da localidade decidem descruzar os braços. Para isso, o boiadeiro vai exercer um papel fundamental. Eles desejam que Diogo leve seu gado para ser vendido em melhores condições fora dali. O líder dos pequenos criadores é Otacílio (Eucir de Souza), pai de Rodrigo (João Pedro Carvalho), o verdadeiro “menino da porteira”. Com a sua simpatia e inocência, o garoto estabelece uma relação quase fraternal com Diogo ao longo dos meses. No entanto, com o acordo estabelecido pelo boiadeiro e os fazendeiros, a guerra está anunciada e um trágico fim os espera.

A trama de “O Menino da Porteira” é tipicamente regional. Passada nos anos 50, os conflitos estabelecidos pelos moradores locais jamais podem fugir daquele cenário rural, com seus lindos campos verdes e árvores escassas. Essa característica faz o filme se relacionar com um dos mais novos clássicos do cinema brasileiro, “Abril Despedaçado”, de Walter Salles, e destoar de outra obra nacional que também se passa em parte nesse cenário, “2 Filhos de Francisco”, de Breno Silveira.

Entretanto, em termos de qualidade, o filme de Jeremias Moreira, que também dirigiu a primeira versão, não se compara a essas duas produções de referência. O diretor proporciona ao público momentos de pura inspiração, mas chega a perder o tom em diversas sequências. Moreira acerta ao impor um ritmo cadenciado à película, deixando-a ainda mais interiorana. Ele é até capaz de alcançar o poético, principalmente nas cenas em que se utiliza da bela trilha sonora de Nelson Ayres. O seu auge acontece na cena em que uma família que teve a casa incendiada pelos capangas do major é ajudada pelos moradores locais. Moreira escorrega principalmente no desfecho do filme. Ele não consegue inserir tensão nas últimas cenas, com destaque para o confronto final de Diogo com o major Batista e para a falta de emoção da última tomada.

O roteiro de Carlos Nascimbeni, do próprio Moreira e de Beto Morais é baseado na canção homônima de Teddy Vieira e Luizinho. O único fato que diferencia a história da música é a atuante presença do boiadeiro e sua relação com o menino, já que a canção diz: “na minha viagem de volta qualquer coisa eu cismei…” (o restante da letra não será revelado para não estragar o final). Como o cenário é o campo, o roteiro não investe nos diálogos. Aqui o silêncio predomina muitas vezes de maneira efetiva. Mas o roteiro não consegue emplacar uma história de amor interessante entre Diogo e a filha do major, Luciana (Vanessa Giácomo). Tudo parece forçado. Além disso, a inclusão de personagens paralelos de caráter cômico só faz quebrar o desenvolvimento da narrativa.

A campanha publicitária do filme, ao trazer Daniel como sua principal atração, é quase suicida. Como atrair público para os cinemas por meio da imagem de um cantor que tem como experiência na área os filmes “Didi, o Cupido Trapalhão” e “Xuxa Requebra”? Se houve esforço de Daniel para reverter as suas más interpretações através de aulas de teatro, não pôde ser notado. Sua performance é desastrosa. Ele é incapaz de demonstrar expressão quando exigido. Daniel escapa na primeira hora de duração porque possui poucas linhas de texto para falar, mas, daí em diante, tudo desmorona, principalmente nos conflitos finais.

O verdadeiro astro é João Pedro Carvalho, de apenas 7 anos de idade. Ele transfere toda a sua inocência para Rodrigo e transforma o garoto em uma espécie de talismã da região. Ele está em todos os lugares, até naqueles onde menos se espera que apareça. Mesmo depois do fim da projeção, o seu grito “toca o berrante ai, oh seu moço!” nos acompanha. Eucir de Souza, que interpreta seu pai, é um achado. Ator exclusivo de cinema, ele aprofunda a personalidade de Otacílio, mesmo com o pouco tempo de tela.

Outro destaque de “O Menino da Porteira” é Vanessa Giácomo. Atriz acostumada com os campos e o sotaque, já que trabalhou em várias novelas de Benedito Ruy Barbosa, ela dá a doçura e a beleza necessárias a Juliana. O restante do elenco está demasiadamente caricatural. José de Abreu faz de seu major um ser pertencente a filmes de animação e não de ficção. Já Rosi Campos, com suas poucas cenas, consegue chamar a atenção com seus exageros que mais lembram personagens de teatro.

Apesar de seus inúmeros erros, “O Menino da Porteira” não se constitui um total fracasso. Mesmo quem tem horror à música sertaneja pode apreciar bons momentos da película. Apenas pensem que o filme não é só o Daniel e sua falta de talento interpretativo, mas sim uma história de luta pela preservação do cerne da nossa vida, a família. É para conferir sem muitos compromissos e exigências.

Darlano Didimo
@rapadura

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