Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 12 de março de 2009

Amor de Vizinho, Um

Apesar de estrear no circuito de arte em alguns Estados, “Um Amor de Vizinho” deixa muito a desejar se comparado a comédias românticas abertamente comerciais. Sem atrativo algum, o filme é um amontoado de clichês que certamente não agrada o público.

O que caracteriza um filme de arte? Esta pergunta certamente já foi tema de muitas longas discussões entre os amantes do cinema. Mas algumas peculiaridades contribuem para que certas obras se enquadrem neste setor cinematográfico. Entre elas estão: ser de baixo orçamento, ter comprometimento com a qualidade e não com a bilheteria que o filme possa alcançar, promover reflexões profundas sobre os mais diversos sentimentos existentes no Planeta Terra, ser original e ser realizada por um diretor já respeitado nesse meio. Normalmente, estes filmes estreiam em salas reduzidas pelo país (isso, às vezes, nem chega a ocorrer) ou em festivais organizados pelo mundo afora. Dito isso, é bom que haja uma reclassificação de “Um Amor de Vizinho”, pois ele jamais deve ser chamado de um filme de arte.

A película conta a comum história do arquiteto e pintor nas horas vagas Jeff (Matthew Modine) que possui uma vizinha que o atormenta diariamente para que se mude de seu apartamento com o propósito de ampliar as suas dependências. Christine (Michèle Laroque) pretende se casar em breve com Jonathan (Ed Quinn) e não suporta a ideia de continuar a ter a privacidade da varanda de seus aposentos invadida por Jeff. Como não poderia deixar de ser, os dois personagens principais se odeiam e jamais deixam de demonstrar esse ódio publicamente, ao ponto de um deles negar uma proposta de trabalho para não ter que dividir o tempo com seu desafeto.

Porém, o destino os une. Jeff acaba sendo informado de última hora por sua filha Ally (Gina Mantegna) que sua ex-esposa irá se casar com o seu ex-melhor amigo, e o casal não teve coragem nem de convidá-lo para a cerimônia. Para não “ficar por baixo”, ele busca desesperadamente por uma companhia que tope fingir ser sua noiva enquanto os dois aparecem de surpresa na recepção do casamento. Como o destino não poderia ser mais cruel, a única mulher disponível no momento é Christine. Para acompanhá-lo, no entanto, Christine faz exigências: Jeff terá de se mudar de seu apartamento até o final do mês.

Como revelado, a sinopse do filme não apresenta uma história fascinante ou, no mínimo, original. Mesmo sendo uma produção independente, tudo está no padrão hollywoodiano de se fazer comédias românticas: a mocinha que odeia o mocinho, mas que, por uma fatalidade, acabam se apaixonando. O problema é que “Um Amor de Vizinho” não possui nem os atrativos básicos dos filmes desse gênero do cinema, como uma trilha sonora açucarada e protagonistas super carismáticos.

Matthew Modine, que já participou de obras importantes de grandes diretores da História do Cinema como “Short Cuts”, de Robert Altman, e “Nascido para Matar”, de Stanley Kubrick, nunca conseguiu se destacar em frente a astros mais talentosos.(O público deve lhe conhecer de vista, mas não de nome). Talvez, por isso, tenha recorrido a filmes “B” para continuar trabalhando. Modine não está mal aqui, ele consegue até construir um personagem mais complexo do que deveria, mas não merece grandes elogios. A sua antagonista e, ao mesmo tempo, par romântico, Michèle Laroque também não possui o mesmo êxito. Apesar de sua beleza estonteante, Laroque parece desconfortável com a língua inglesa, já que é de naturalidade francesa. Talvez demonstre mais expressão em sua língua original, fato que pode ser exemplificado através de Penélope Cruz, que definha com o inglês e que brilha com o espanhol.

Ao elenco coadjuvante cabe a função de inserir momentos cômicos na trama, porém todos caem na caricatura, com destaque para Ed Quinn, que aparece totalmente infantilizado. Ao passar de vinte minutos do filme, nos questionamos como Jonathan, também um bem-sucedido empresário, pode pensar em constituir família com a séria e mais lúcida Christine. Não tinha realmente como dar certo. Outro ponto negativo no elenco é Robert Della Serra, como o companheiro de trabalho inseguro de Jeff. Ele consegue se salvar do desastre apenas a bela Gina Mantgena, que interpreta a independente filha do arquiteto.

O comando do filme ficou a cargo de Eddie O’Flaherty, em sua segunda produção. Ele dirige a película aos moldes dos filmes feitos para televisão, sem grandes riscos nos movimentos de câmeras, de uma forma que a imagem aparece quase sempre estática, deixando o ritmo bastante lento. Mas o seu grande erro é sempre focalizar o principal cenário dos conflitos, o edifício, internamente, como se nele só existissem dois apartamentos, o de Jeff e o de Christine, o que faz lembrar consideravelmente os siticoms americanos.

O roteiro de O’Flaherty e J. P. Davis nunca surpreende, não que esperemos desfechos surpreendentes em comédias românticas, mas aqui os roteiristas não nos dão um mínimo de esperança que ele seja diferente. Fracassa também a tentativa de transformar “Um Amor de Vizinho” em um filme mais maduro, como na cena em que dois personagens discutem sobre sexo. A sequência é logo interrompida por uma infantil cena de uma inconsequente bebedeira seguida de uma dança desnecessária.

Assistir a “Um Amor de Vizinho” nos faz ter saudades de “Um lugar chamado Notting Hill”, “Uma Linda Mulher”, “Como Se Fosse a Primeira Vez”, ou até mesmo, de “Um Amor Para Recordar”, filmes que sabiam o que representavam e não tinham medo de admitir. Apesar de ter o termo “um amor” em seu título, o filme não chega nem aos pés de obras do mesmo gênero como as citadas acima. Merece algumas estrelas porque, afinal, não se constitui um total desastre.

Darlano Didimo
@rapadura

Compartilhe

Saiba mais sobre