Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 09 de fevereiro de 2009

Leitor, O

Uma reunião de grandes talentos explica a qualidade de "O Leitor". Baseado no livro de Bernhard Schlink, o diretor Stephen Daldry cria o ambiente perfeito para Kate Winslet e David Kross brilharem nos papéis principais. A simplicidade do roteiro e o cuidado dos profissionais envolvidos torna a experiência de desvendar história e personagens absolutamente necessária e deliciosa.

Talvez seja a sugestão do título, mas a cada minuto passado de “O Leitor” a sensação é de ter percorrido os olhos por algumas das linhas escritas por Bernhard Schlink no livro homônimo que inspirou o filme. A simplicidade da história, bastante fiel à obra original, é o que torna o longa-metragem saboroso e, ao mesmo tempo, difícil de resumir em palavras.

Michael Berg, interpretado na vida adulta por Ralph Fiennes, tem cerca 15 anos quando conhece Hanna, uma alemã durona que carrega o peso da vida nos ombros. Um dia, a caminho de casa, Michael passa mal em frente ao prédio de Hanna. Ela o ajuda em um misto de carinho e repressão e o adolescente, diagnosticado com hepatite, precisa ficar de cama por meses. Os dois voltam a se encontrar quando Michael, já curado, mas ainda com bastante tempo livre em seus dias, retorna para agradecer.

Não demora muito para que os dois iniciem um romance. A frieza nos olhos de Hanna, interpretada magnificamente por Kate Winslet, desaparece nas ações de uma mulher que não tem medo de se envolver com um jovem inexperiente. A descoberta do amor e do sexo, também brilhantemente retratada por David Kross, prende Michael a Hanna. Não é o sexo, entretanto, o que a prende a ele, mas a leitura.

Michael passa a ler obras clássicas para a amante. “A Odisséia”, “Guerra e Paz” e outros livros se tornam testemunhas do romance. A separação não demora para acontecer e os dois só irão se reencontrar anos mais tarde, quando Hanna é ré em um julgamento sobre os crimes cometidos durante a Segunda Guerra. Parece injusto avançar mais na história sem que o espectador tenha o prazer de desvendar por si mesmo a trama contada pelo diretor Stephen Daldry. “O Leitor” é um filme que, acima de tudo, merece ser assistido.

Daldry tem experiência com enredos singelos e dramáticos e “O Leitor” não é exceção. A vida de Michael e Hanna é desvendada sem exposições e enriquecida pela interpretação cuidadosa dos dois atores principais. A beleza do filme está em descobrir quem são esses personagens a medida que a história é contada, tentar descobrir qual será a reviravolta, e se haverá alguma, sem espiar as páginas seguintes.

Difícil é saber de quem é o mérito para a qualidade do longa-metragem. Bernhard Schlink escreveu um texto cinematográfico, mas que requer coragem para a adaptação. A história aborda o nazismo e os crimes cometidos contra os judeus de uma maneira cuidadosa e inovadora. Na tela somos excluídos do debate que Michael faz consigo mesmo sobre as ações de Hanna, seu envolvimento emocional com ela e o destino da mulher que amou. A interpretação de Kross, entretanto, é capaz de nos dar a ideia de relance. Em cada olhar ou gesto capturados pelo espectador mais atento, a imaginação encontra algo em que se agarrar para construir o diálogo que falta.

A direção de Stephen Daldry é, como sempre, precisa. Sem expor muito de seus personagens, mas exigindo o máximo de seus atores, Daldry constrói um cenário que cabe ao espectador preencher. É esse trabalho de mostrar o necessário e sugerir os excessos que tornam a experiência de assistir ao filme como a de ler um bom livro.

É a atuação de Kate Winslet, entretanto, que captura. Não é ousado dizer que seu trabalho, maduro e honesto, carrega a alma de “O Leitor”. Sem uma atriz competente como Winslet, reconhecida pela Academia, o filme não se sustentaria. A personagem é o extremo oposto de April Wheeler, seu papel em “Foi Apenas Um Sonho”. Colocar os dois filmes em contraste evidencia ainda mais a capacidade de Winslet em se transformar e expressar sentimentos obscuros através do olhar e dos pequenos gestos. Acertada, portanto, a decisão da academia em indicá-la ao prêmio de melhor atriz e não por coadjuvante.

Ao sair do cinema a sensação é de que falta algo, de que aqueles personagens mereciam outra conclusão ou ainda de que há muito mais para ser descoberto sobre a vida de Hanna e Michael. Talvez seja esse o único defeito de “O Leitor”, não satisfazer por completo a curiosidade de quem se envolve na história. No entanto é esse detalhe que comprova o cuidado aplicado a Schlink na criação de seus personagens, a mão e o olhar preciso de Daldry no processo de concretização da história e, principalmente, o talento dos atores escolhidos ao dar verossimilhança às palavras e ações em seus papéis. “O Leitor” deixa a impressão que aquelas pessoas de fato existiram e tiveram muito mais para contar sobre o que foi vivenciado antes dos acontecimentos narrados ou posteriormente a eles.

Lais Cattassini
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