Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 05 de fevereiro de 2009

Sim Senhor!

Com fórmula e visão ultrapassadas, a comédia “Sim Senhor” chama mais a atenção pelo inusitado do que pela quantidade de risos que arranca do público. Tempos longe do gênero, Jim Carrey retorna – sem sucesso - com as mesmas piadas, facetas e trejeitos que anos atrás o consagraram em “O Máskara”, “Débi e Lóide” e “Todo Poderoso”.

Dirigido por Peyton Reed, “Sim Senhor” não acompanha a tendência atual dos filmes de comédia. Vindo das comédias românticas “Abaixo o Amor” e “Separados pelo Casamento”, o diretor peca ao subestimar a inteligência do telespectador com fracas piadas, cenas vazias, situações absurdas, clichês e mais clichês, diálogos desconexos e elenco inexpressivo. Ao apostar que Jim Carrey conseguiria segurar o filme sozinho, Reed tenta reacender o feeling que transformou o ator em referência na comédia de Hollywood e erra, pois aquelas caras e bocas de sempre já não mais alegram o público.

O roteiro, confeccionado a oito mãos por Nicholas Stoller, Jarrad Paul, Andrew Mogel e Danny Wallace, de fato não se assemelha em ponto algum com a proposta de qualquer comédia: provocar risos. Do início ao fim, a narrativa é cansativa e superficial, o tema é mal aproveitado e o script apresenta vários equívocos. Cópia descarada da idéia de “O Mentiroso”, o enredo prevê uma comédia inteligente, segura por um fundo moral, que resultou em uma fantasiosa estória em que o foco está em um personagem que diz “sim” a tudo e como conclusão percebemos – ou não – que a vida é feita para ser vivida por pessoas que não pensam nas consequências de seus atos.

Carrey vive Carl, um banqueiro que, após o término de seu casamento, torna-se uma pessoa pessimista, que vê e responde a tudo com negatividade. Pelo menos essa é a conclusão cabível, já que não temos nenhuma explicação sobre o relacionamento, ao que tudo indica foi o causador de seus problemas. Desde que acorda, Carl nega ao máximo o convívio social. Vive uma vida de “locadora”, passa as noites assistindo a blockbusters, não se diverte, não se reúne com amigos e foge deles como o diabo da cruz.

Peter (Bradley Cooper) é seu melhor amigo e tenta, a exaustão e sem qualquer sucesso, convencer Carl a saírem e se divertirem. Após receber a notícia que perdeu uma promoção por não ser “participativo” o suficiente, Carl encontra seu velho amigo Nick (John Michael Higgins), que apresenta o revolucionário programa “sim senhor”. Com a promessa de resolver todos os problemas de sua vida, Carl vai à tal palestra, que fundamentada na filosofia “diga sim a qualquer oportunidade e ocasião”, garante a satisfação plena e felicidade perfeita. Caso o subjugado diga “não”, um mar de problemas começará a persegui-lo até que retorne e diga “sim”. Detalhe desnecessário a trama que, além de ser infantil, não acrescenta graça nenhuma.

Nos momentos seguintes à “promessa divina” firmada na auto-ajuda, Carl já começa a praticar o otimismo e arriscar decisões que jamais aceitaria anteriormente. Nessa onda que conhece Allison (Zooey Deschanel), uma excêntrica fotógrafa e vocalista de uma banda alternativa, que após alguns instantes já ganha o carisma e interesse do protagonista ao roubar-lhe um beijo. Extasiado com a solução de seus problemas, Carl começa a sair com seus amigos, se divertir, ter sucesso no emprego e afinar seus laços com Allison, ou seja, viver a vida do jeito que deve ser vivida.

Algumas cenas surgem para ilustrar seu carpie diem, como aprender coreano, ter aulas de vôo e tocar violão. Em paralelo, situações como encher a cara em um bar, arrumar briga por uma mulher acompanhada e acordar de ressaca são momentos que têm o mesmo peso das anteriores. Grande equívoco e desnecessárias, pela carga que carregam e por passarem uma idéia errada de “viva la vida”. Além do fato de que incitar tais atos para uma platéia em que a censura é para maiores de 14 anos não é algo muito “engraçado” aos olhos de qualquer pai consciente. Outras cenas até são digeríveis, como quando Carl abre sua caixa de emails e encontra o recorrente spam “quer aumentar seu pênis”.

Sem mencionar o fato de o personagem ter de fazer “favores sexuais” a uma senhora lá com seus 70 anos. Esta é a desconexão do roteiro. A narrativa não se complementa e muito menos, cativa para que o público sinta-se com vontade de permanecer no cinema e assistir ao final do longa, que de tão vazio é o enredo, não surpreende e é previsível desde o início da sessão. Ao final, aquela sensação de “e daí, já sabia do desfecho e não achei graça” é onipresente.

A receita é antiga e batida. A comédia como gênero mudou desde a década passada. Aliás, vem mudando gradativamente ao longo dos anos. Da ingenuidade de Chaplin, às caretas de Jerry Lewis, ao regional de Mazzaropi, ao brilhantismo de Woody Allen e até ao pastelão de Renato Aragão, todos tiveram sua hora. Reed e Carrey erraram feio ao insistirem na sana maluquice do ator, febre da década passada. O que o público clama na atualidade são piadas rápidas, situações possíveis do cotidiano, temas verdadeiros, humor dinâmico e, principalmente, novidade. Justamente como ocorre com o carisma e comoção do público por Steve Carell em “O Virgem de 40 Anos”, ou a jovialidade e inovação do trio Jonah Hill, Michael Cera e Christopher Mintz-Plasse em “Superbad – É Hoje”, e não o grande “vale a pena ver de novo” do pastelão podre de “O Mentiroso”.

Longe de duvidar da capacidade de Jim Carrey, brilhante ator e surpreendente comediante, no entanto é corretíssimo dizer que ele errou a mão em “Sim Senhor”. Baseado no livro homônimo do jornalista Danny Wallace, que documentou durante seis meses as implicações de dizer “sim” a toda questão, o longa teve ao menos um ponto positivo: observar que o inusitado de uma vida “emocionante” não é o suficiente para vivê-la com satisfação, e muito menos a maneira correta e única de enxergar o mundo.

Pablo Cordeiro
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