Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Surpresas do Amor

Não se deixe enganar pelas aparências: este “Surpresas do Amor” mostra seu diferencial em relação as comédias românticas tradicionais por apresentar situações reflexivas sobre uma questão eternamente complicada: a busca pelo entendimento de um ao outro num relacionamento. Tudo, é claro, com boas pitadas de humor.

Assistir a um filme sobre período natalino em pleno fim de janeiro não é um dos programas mais agradáveis para todos. E mais: o que esperar de um filme chamado “Surpresas do Amor”, cujo pôster tem Vince Vaughn e Reese Whiterspoon sorrindo de costas um para o outro? Na certa, a resposta é mais uma comédia romântica descartável que mostra o casal de protagonistas brigando durante toda a projeção, e, no final, terminam felizes para sempre. Certo? Em partes, sim. O longa em nenhum momento foge de suas raízes, porém apresenta um grande diferencial dos demais filmes do estilo ao transmitir mensagens interessantes (que nunca chegam a ser explícitas, mas ficam bem induzidas) em questões para lá de presentes na vida de qualquer casal, além de um toque cômico bastante refinado.

Na trama, o casal Brad (Vaughn) e Kate (Whiterspoon) resolve fugir das neuroses de suas famílias durante o Natal e optam por viajar para as Ilhas Fiji. Entretanto, eles não podem seguir o plano, já que um nevoeiro cancela todos os vôos do aeroporto de San Francisco. Para piorar, eles são filmados por uma equipe local de notícias, o que faz com que suas famílias saibam onde estão. Sem terem como escapar, eles são obrigados a passar o Natal com suas famílias. Quatro vezes, já que precisam lidar com o pai e a mãe de cada um deles.

Logo de cara, tudo indica mesmo que teremos uma comédia banal, com o casal forçando um “teatrinho” em uma boate. Mas no decorrer, nos deparamos com um filme que sabe virar e revirar aquele aspecto tão difícil na vida de todo casal, familiar, amigo ou inimigo: convivência. Em especial, a comédia vai a fundo quando a questão é o modo como o conhecimento dos familiares da pessoa amada afeta o relacionamento. Filmes como “Entrando Numa Fria” dão uma prévia desses pontos, mas enquanto aquele exagerava no humor surreal, este “Surpresas do Amor” prima pelos pés no chão e pela forte identificação dos personagens com o público.

Quem tem ou já teve um relacionamento sério, sabe da tradição de ter que dividir as prioridades para com as famílias nas festas de fim de ano. E é exatamente no contato com a família do outro em que as situações constrangedoras se sobressaem, cabendo a cada um agir de uma maneira estranha a sua própria essência. Nessa missão, o diretor estreante Seth Gordon prima por não querer inovar muito e se ater ao simples, através de fatos como a mãe mostrar o álbum da filha quando bebê ou revelações de apelidos e traumas de infância. Pouco, mas suficiente para a pose de superioridade se desmantelar perante seu par.

Aqui, nada de agentes da CIA disfarçados ou gatos que fazem necessidades no vaso sanitário. O que vemos são personagens humanos, que podem muito bem ser da família de cada um de nós. Para isso, mais do que acertada foi a escolha dos mega-experientes Robert Duvall, Jon Voight, Mary Steenburgen e Sissy Spacek (vale lembrar, todos eles vencedores do Oscar).

Seja o machista beberrão vivido por Duvall, a pervertida religiosa de Steenburgen, o pai fraterno de Voight, ou a mãe desleixada de Spacek, todos dão um tom de humanidade a seus respectivos papéis. Sem falar em Jon Favreau (mais conhecido por dirigir “Homem de Ferro”), no papel de Denver, o irmão pra lá de machão, sujo e violento, com um visual bem diferente do comum. Todos abrem um leque de possibilidades para piadas, sejam meramente visuais (como os irmãos enchendo Brad de surra ou destruindo uma casa ao instalar uma antena), ou reflexivas (como um simples jogo de tabuleiro que vira motivo de briga pelas indiferenças).

Seth Gordon inclusive se sai muito bem quando precisa criar situações cômicas, sempre favorecidas pela caracterização visual. Por exemplo: quando a repórter de TV aborda o casal no aeroporto, não seria tão engraçado se não fosse a cara de desconcertados da dupla, trajados como turistas em diversão. O mesmo se diz do hilário momento da encenação do nascimento de Jesus, cujo bebê parece uma bola de tão gordo e a fantasia de José usada por Brad é simplesmente ridícula. Não há um momento em especial que faça o espectador cair aos prantos em gargalhadas, mas o clima sempre leve e descontraído é bem agradável.

Muito se comentou sobre as constantes brigas fora do set entre Vince Vaughn e Reese Whiterspoon. Boatos ou não, certo é que tal incompatibilidade acabou se tornando um ponto positivo para o longa, visto que os personagens o tempo todo estão se desentendendo por achar que um não conhece o outro o suficiente. Individualmente, cada um dá conta muito bem de seu papel. Vaughn, com toda sua experiência em comédias, faz de Brad uma figura do bem e simpática, mas que não se importa muito com o futuro e gosta de viver o dia a dia. Já Whiterspoon, que além de ter muitas comédias no currículo já mostrou ter grande talento dramático em “Johnny & June”, faz de Kate uma figura reprimida pela família, que esconde por trás da imagem de uma mulher forte, uma pessoa sonhadora e que quer provar a si mesma o seu valor.

Assim como “Separados pelo Casamento” (também estrelado por Vaughn), este é um exemplo de filme que é vendido como uma simples comédia romântica – o que, em partes, não deixa se ser – que nos faz refletir que sua alma gêmea nunca é tão gêmea assim. E ainda bem que existem filmes como este para nos mostrar de uma maneira divertida que, por mais que tentemos aturar a família do outro e descobrimos detalhes obscuros do passado, não existe um ideal, e o melhor a fazer é relevar e tocar a vida, pois as diferenças sempre existirão. Pena que o mais provável de acontecer seja que você saia da sessão, vá lanchar algo e nem lembrará do título do filme no dia seguinte.

Thiago Sampaio
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