Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 10 de janeiro de 2009

Troca, A

A parceria dos talentosos Angelina Jolie e Clint Eastwood faz de “A Troca” o primeiro filme de destaque deste ano. Com uma trama altamente envolvente, o longa mostra com maestria uma atriz dedicada e um diretor que nunca sai de forma. Simplesmente imperdível!

Baseado em uma história verídica, a trama se passa na Los Angeles de 1928. Christine Collins (Angelina Jolie) é uma mãe dedicada que trabalha como supervisora de uma empresa de telefonia e cria sozinha seu filho Walter Collins (Gattlin Griffith). Em seu dia de folga, Christine é chamada para fazer hora extra. Decepcionada porque havia prometido a Walter que o levaria ao cinema, Christine acaba deixando-o em casa para ir ao trabalho. Ao fim do dia, quando ela volta para casa, Walter não está mais lá. A partir daí, o roteiro mostra brilhantemente a vida de uma mãe que está convencida a ir contra tudo e todos para descobrir o que aconteceu com seu filho, por mais que se isso causa constrangimento para a polícia e administração de Los Angeles.

A sala lotada no dia da estréia revela não somente que o público aproveita as férias de janeiro, mas também que Angelina Jolie é um atrativo para qualquer produção que se envolva. Além de ser um sex symbol mundial, Jolie tem um talento que muitas vezes fica apagado frente à sua beleza, mas está ali em algum canto. Após vencer o merecido Oscar de melhor atriz coadjuvante por “Garota, Interrompida”, Jolie se entrega à personagem Christine mostrando que está pronta para receber sua próxima estatueta, seja este ano ou em breve. “A Troca” é resultado da harmonia entre Jolie e o diretor Clint Eastwood, que fazem da história uma demonstração do egoísmo e corrupção da polícia, apoiada pelos governantes de uma cidade, e de uma mãe que não cansa enquanto não souber do paradeiro do filho.

Em 2008, Jolie teve sua melhor performance desde “Garota, Interrompida” com o drama “O Preço da Coragem”, no qual vivia uma esposa à procura do marido desaparecido. Apesar da trama semelhante, “A Troca” mostra outro lado dramático e potente da atriz, que está claramente sendo a própria Christine. Não há um momento em que Jolie escorregue no tom de sua voz ou nas expressões melancólicas e tristes de Christine. Também merece destaque no elenco John Malkovich, que nas mãos de Eastwood consegue voltar a ter uma boa performance em cena, como o reverendo que denuncia a corrupção da polícia de Los Angeles.

No entanto, o filme é definitivamente de Jolie. Ela está segura do que quer para a personagem e isso faz com que o público não perca, em momento algum, o interesse sobre o desenrolar da história, que é cheia de outros clímax, digamos assim, na parte final do longa. Esse superlotação de resoluções da história que parece nunca acabar pode ser cansativa para alguns, mas certamente outros perceberão que é apenas uma estratégia que alimenta a esperança não só da protagonista, mas também do público, que desenvolve uma relação de apreço à trama.

A competência de Jolie ao encarnar Christine também reflete o roteiro magnífico que J. Michael Straczynski escreveu. Aderindo ao cinema com este longa, Straczynski vem de um extenso histórico em seriados de televisão, que inclui “Babylon 5”. Ele constrói uma trama densa que parece encaminhar apenas para a catástrofe. A riqueza e o cinismo dos diálogos são ferramentas que atingem a audiência da mesma forma que atingem Christine. Um fator interessante que podemos perceber é como a síndrome de superioridade policial não é tão contemporânea. Para uma história que se passa em 1928, assisti-la agora, 81 anos depois, é perceber que muita coisa continua igual, que a impunidade, a irresponsabilidade e a criminalidade de antes muito tem a ver com a atualidade.

Straczynski é ousado não só rendendo bons momentos para Jolie, mas também ao inserir uma subtrama, a priori deslocada do foco principal, no meio do longa, quebrando o ritmo inicialmente, mas depois se mostrando de grande importância para a conclusão dos fatos. Tantos argumentos e resoluções de “A Troca” poderiam ter se perdido nas mãos de qualquer cineasta, mas aí aparece a importância de Eastwood na película: conduzir como um veterano que é incapaz de fazer besteira no cinema. Após o reconhecimento com seus dois últimos trabalhos, “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima”, Eastwood investe em um drama avassalador em sua carreira, bem ao estilo do que aconteceu com “Menina de Ouro”. Além de um diretor criativo, Eastwood tem completo controle com o que pedir ao elenco e também dos recursos que pode utilizar para dar mais grandeza ao trabalho.

Uma boa demonstração disso é o trabalho da trilha sonora durante a projeção, também realizada por Eastwood. A princípio inocente e doce, ela vai desaparecendo da história, somente voltando à ativa em algum momento crucial. Outro ponto importante é o silêncio como elemento diegético do longa, aparecendo perfeito e sem entrar em conflito com o que se vê em cena. Também vale a pena destacar a fotografia de Tom Stern, que investe em tons mais pastéis ou azulados para a retratação de uma época distante. Juntamente com a direção de arte e figurino, tudo conspira para a estética que Eastwood quer para o longa.

Tecnicamente belo, com a magnífica direção de Eastwood e Jolie como uma forte concorrente a levar mais uma estatueta no Oscar, “A Troca” é deliciosamente visceral e mostra o amor em sua mais profunda vertente. Um filme que talvez possa até não ter o reconhecimento que merece, mas que fica marcado na história do cinema como uma mostra que o cinema ainda pode presentear o público com bons dramas, e não somente aquilo que se tem de trivial todos os anos nas telonas.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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