Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 26 de outubro de 2008

Última Parada 174

Há oito anos, o Brasil parou para assistir por mais de quatro horas ao drama dos passageiros de um ônibus da linha 174 no Rio de Janeiro, feitos reféns por Sandro do Nascimento. O seqüestro foi televisionado e acabou com a morte no local da professora Geisa Firmo Gonçalves, vítima de disparos feitos pela polícia e pelo seqüestrador e do próprio Sandro que foi morto pelos policiais na viatura.

Em 2002, José Padilha entregou ao mundo uma das maiores obras do cinema documental. “Ônibus 174” fazia um relato, através de depoimentos dos envolvidos, das horas de agonia daquele 12 de junho. Além disso, Padilha mostrava uma sociedade desintegrada, uma polícia despreparada e uma mídia que parecia sem limites éticos definidos. Um cenário parecido ao que ainda encontramos oito anos como comprovado pelo caso Eloá no ABC paulista. A infância nas ruas, as tragédias de uma vida e a impossibilidade de melhora não poderia ter levado Sandro a outro destino que não àquele assalto interrompido pela polícia.

O destino é também a peça-chave do novo filme de Bruno Barreto, “Última Parada 174”. De forma ficcional, o diretor conta a história de Sandro e sua mãe adotiva, a única que esteve presente em seu enterro (fato que chamou a atenção de Barreto, quando assistiu ao documentário de Padilha pela primeira vez, e o motivou a filmar a história). Marisa (Cris Vianna) teve um filho chamado Alessandro que perdeu para o Comando Vermelho ainda criança por conta de uma dívida. Sandro (na fase adulta interpretado por Michel Gomes) viu a mãe ser morta a facadas no bar da família.

Consumida pela culpa, Marisa passou a viver em função de reencontrar o filho que cresceu e tornou-se Alê Monstro (Marcello Melo Jr.). Enquanto isso, Sandro, que passara a morar com a tia, foge de casa e começa a viver com uma gangue de meninos de rua na Candelária onde recebe também o apelido de Alê. Os encontros e desencontros destes personagens, no roteiro de Bráulio Mantovani, mostram que a vida deles também não poderia ter outro desfecho.

Ao contrário do filme de Padilha que desferia um soco no estômago de quem o assistia, as reações a este último devem ser bem mais amenas. A escolha de focar na relação de Sandro, Marisa e Alessandro, colocado na trama como o “real criminoso” (nas palavras de Barreto) em relação a Sandro, foi feita em contrapartida ao não-aprofundamento de questões como as abordadas no documentário e posteriormente em “Tropa de Elite” (também de Padilha e curiosamente escrito por Mantovani).

O diretor justifica essa escolha dizendo que queria contar uma história em que o encontro destas pessoas fosse o “fio condutor do filme” e o seqüestro ao ônibus da linha 174 ocuparia o lugar de clímax e não o centro na história, mas este episódio não funciona tão bem como um em cena. A opção de retratar uma personagem que acumula o papel de algumas reféns do fato real como uma “porra-louca” tira a tensão da cena. Incomoda também que este e outro episódio importante na vida de Sandro e a chacina da Candelária tenham sido tratados de forma rápida e sem fidelidade.

Alguns acusam a escolha de Barreto de covarde. A decisão sobre o que contar e da forma como fazê-la é do diretor e não cabe a ninguém discuti-la, mas que este não vá reclamar depois quando seu filme for facilmente esquecido pela memória cinematográfica. No entanto, ainda se falará muito sobre “Última Parada 174”. O filme tenta uma indicação ao Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro como representante do Brasil.

Por isso, é muito provável que você tenha a sensação de algo que já foi visto anteriormente. A linguagem mista entre documentário e ficção, através da alternância de planos fixos e câmera na mão, o uso de não-atores e a estética das favelas estão todos lá. Se o diretor construiu ou não um filme com o fim exclusivo de inscrevê-lo em festivais internacionais já não se sabe, mas perto de obras como “Cidade de Deus” e o já citado “Tropa de Elite”, ele fica devendo originalidade.

Isso não faz de “Última Parada 174” um filme ruim. A qualidade técnica assegura um bom espetáculo. Edição, fotografia e especialmente a trilha sonora são excelentes. Mas, repito, não trazem nada novo. O melhor, sem dúvida, fica por conta dos atores. Bruno Barreto trabalhou pela primeira vez com um grupo de profissionais e outro de não-atores. Todos eles exercem muito bem o seu papel. O destaque é Gomes, que veio do grupo Nós do Morro e dá vida a Sandro.

Bem realizado e cheio de qualidades, mas com o peso de ter grandes obras que o antecederam, “Última Parada 174” vai brigar pelo Oscar representando o Brasil sem a maior delas: a de mexer com o público e provocar reações apaixonadas.

Igor Vieira
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