Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 25 de outubro de 2008

Morte Súbita

Personagens desinteressantes, um arremedo de trama e uma conclusão totalmente sem sentido dão o tom em "Morte Súbita", filme no qual a melhor atuação vem de um cachorrinho.

Os filmes que usam animais reais como os "assassinos" tiveram o seu ápice com "Tubarão", lá nos idos da década de 1970. Desde então, é possível contar nos dedos quantos longas deste subgênero cinematográfico realmente foram bons. Com certeza, este "Morte Súbita" não entrará para tal lista bastante restrita. Escrito e dirigido pelo australiano Greg Mclean (o mesmo de "Wolf Creek – Viagem ao Inferno"), o longa comete algo que é um pecado mortal em filmes de terror: é chato.

No pouco de trama que a produção possui, o jornalista de turismo Pete (Michael Vartan) está em uma pequena cidade do interior da Austrália para fazer uma reportagem sobre um passeio ecológico em um rio, que leva os seus passageiros para perto dos gigantescos crocodilos que vivem por lá. Capitaneado pela bela e corajosa Kate Ryan (Radha Mitchell), o passeio corre bem, salvo uma pequena intromissão do ex-namorado da garota, Neil (Sam Worthington). No entanto, ela acaba levando o barco para socorrer alguém que disparou um sinalizador de ajuda, em uma parte mais densa do rio. Chegando lá, ela e o restante dos passageiros terão de encarar uma luta para sobreviver, já que foram marcados como caça de um crocodilo.

Em filmes desse estilo, é primordial que o público se identifique com os personagens em cena, justamente para haver uma resposta emocional quando estes forem ameaçados ou devorados. Em "Morte Súbita" simplesmente não há tempo para isso. Não há o estabelecimento de nenhuma conexão com qualquer daquelas figuras em cena, à exceção de um determinado passageiro que está lá cumprindo a última vontade de sua falecida esposa – e mesmo esta logo se perde, graças a antipatia do homem durante o resto do filme.

Sem ter como desenvolver seus personagens, o elenco fica restrito a ser apenas comida de crocodilo ou tentar escapar das investidas do bicho. Aliás, a melhor sacada do roteiro é de tentar colocar o animal não como um monstro, mas sim como parte da natureza local, algo que o filme consegue sustentar por boa parte de sua curtíssima duração, até o seu final absurdamente estúpido (mais sobre ele posteriormente).

Voltando aos atores, o longa não tem como expor muita coisa e apela para os clichês: o protagonista é Pete, vivido por Michael Vartan, o americano jovem e corajoso com cara de cowboy. Tanto é que a cena em que o personagem começa a sua participação no filme parece tirada de um Western. Logo em seguida, temos a corajosa líder da expedição, interpretada por Radha Mitchell, que inevitavelmente se sentirá atraída pelo mocinho vindo da terra do Bush, mas nutre sentimentos pelo bad boy com um bom coração.

Este último, vivido por Sam Worthington, é um dos únicos atores com algum resíduo de personalidade em cena e que parece não estar no piloto automático, sendo uma pena que seja o que ganha menos destaque. O outro grande personagem do filme é o adorável cachorrinho Kevin, que rouba a atenção nos momentos em que aparece e acaba sendo, acreditem ou não, o grande herói da fita!

O problema dos clichês ambulantes piora quando se fala no resto do elenco. Temos o exibido, o desbocado, o que faz besteiras querendo voltar pra casa, o que questiona a autoridade, a adolescente que chora, a mãe doente, o velho experiente (que também é americano e chamado de John Wayne). Enfim, personagens simplesmente esquecíveis cujos nomes nenhum espectador vai guardar depois da projeção.

Como diretor, Greg Mclean até consegue criar um certo clima de tensão em algumas cenas do segundo ato, se utilizando da máxima spielberguiana de esconder o "monstro" o máximo possível. No entanto, o diretor falha em atrair o espectador para esta segunda parte do filme, já que o público terá passado o primeiro ato morrendo de tédio, enquanto o cineasta perde um tempo inestimável mostrando o belíssimo cenário do outback australiano ao invés de explorar seus personagens.

Isso mesmo, o primeiro terço do filme é basicamente desperdiçado com imagens de paisagens. Mclean esquece que há uma diferença entre explorar as locações e fazer algo digno de um documentário do Discovery Channel. Quanto às mortes e aos ataques do crocodilo, eles mal são vistos em cena, já que as vítimas uma hora estão lá e na outra não. Simples assim.

O pior chega no terceiro ato da projeção, praticamente um "bloco do eu sozinho" de Vartan no qual ele enfrentará o crocodilo em seu território em um duelo mano-a-mano. Se até aquele momento o animal era tratado como algo da natureza, reagindo apenas a seus instintos, o filme abandona essa interessante noção e vilaniza a criatura. Honestamente, estava vendo a hora do bicho começar a falar feito um vilão caricato, colocar um charuto na boca e ganhar a voz do ótimo e cômico dublador brasileiro Guilherme Briggs!

Contando ao menos com uma fotografia competente, que se utiliza muito bem do exótico cenário do filme e realiza belas cenas noturnas, "Morte Súbita" é um filme "B" mal-realizado, cujo maior mérito está em transformar um cãozinho praticamente em um herói de ação. Kevin, você ganhou um fã aqui!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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