Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 19 de outubro de 2008

Espelhos do Medo

O cineasta francês Alexandre Aja volta aos cinemas com “Espelhos do Medo”, após o sucesso do horror “Viagem Maldita”. Agora ele conta no elenco com o aclamado ator Kiefer Sutherland e uma história batida, que alterna momentos interessantes e outros desagradáveis.

Refilmagem do terror coreano “Into The Mirror”, que não assisti, “Espelhos do Medo” conta a história de Ben Carson (Kiefer Sutherland), um detetive que saiu da polícia após passar por um grande trauma. Para tentar levar uma vida normal, ele vive à base de pílulas e tem sua vida familiar desordenada. Agora, Ben mora com a irmã Angie (Amy Smart) e tenta retomar a vida de casado com Amy (Paula Patton). Ele consegue um trabalho de guarda noturno de uma loja de departamentos que foi incendiada há algum tempo, mais precisamente nas ruínas que restaram no lugar. Sem eletricidade, com espelhos e estátuas por todo canto, Ben precisa driblar suas crenças quando descobre que ali dentro algo acontece por trás de cada espelho.

O longa começa com seqüências bem interessantes. O clichê de espelhar o nome dos créditos iniciais é válido quando as imagens de Nova York ganham um novo contorno com o espelhamento. Depois disso, vemos um prólogo que apresenta a problemática que Ben enfrentará: o ex-vigia do local tem alucinações com os espelhos até chegar a uma situação descontrolada. Só então passamos a acompanhar a rotina de Ben e seus entes queridos até a chegada na loja de departamentos que assombra o filme. Aliás, é uma pena que o nível de terror dê espaço a um levíssimo suspense psicológico, já que as primeiras cenas da loja incendiada são de dar arrepios. O clima não se mantém em um patamar que gere tanta curiosidade em desvendar os mistérios, mas não chega a ser completamente desinteressante.

Se tem uma coisa que o filme não perde tempo é em dar falsas esperanças ao espectador se o que o protagonista está vivendo é uma ilusão causada por um provável desvio de personalidade e devido às medicações ou se aquilo mesmo é real. Desde o primeiro contato com os espelhos, Ben nota algo errado e passa a dar crédito aquilo. Ele melhor do que ninguém sabe que não está louco e que as imagens vistas e as experiências vividas são reais. Aí entra um ponto importante: a profissão de Ben. Ele é um detetive de polícia que, agora, terá mais um caso a resolver e, provavelmente, serve como uma terapia para a superação de seus problemas do passado. A profissão da esposa de Ben, Amy, também cai como uma luva na história. Ela é médica legista e, em dois momentos, usa sua influência e habilidade para conduzir a história.

O roteiro de Aja em parceria com Grégory Levasseur segue uma linha já conhecida dos filmes de terror oriental. Aliás, “Espelhos do Medo” acaba sendo uma mistura de vários outros filmes vistos recentemente, como “Uma Chamada Perdida”, “Espíritos 1 e 2” e “O Chamado”. Fica cada vez mais comum supor coisas sobre a trama, que sempre envolve um quê de espiritualidade, misticismo e resgate. Os roteiristas tentam ser o menos redundantes neste quesito, mas ainda assim a parte dramática da história não traz tantas novidades. O que Aja tenta fazer é trabalhar em cima da credibilidade de Sutherland para sustentar sua história e de não imbecilizar por completo o espectador, como no já dito “Uma Chamada Perdida”.

O pecado do roteiro de Aja e Levasseur é ser ausente de momentos interessantes de terror. As primeiras seqüências dentro da loja de departamentos são incrivelmente bem desenvolvidas, com a iluminação ajudando a cada ângulo da câmera de Aja para criar a reação correta no espectador. Além disso, a trilha sonora se comporta de maneira mais do que harmônica para a composição dos quadros. O problema é que isso se perde e o roteiro se restringe a tentar assustar o espectador com áudios exagerados de pombas voando ou cachorro latindo. Isso sim é imbecilizante e mostra a falta de criatividade em ser correto de onde se tinha muito para tirar de terror.

Aja ocupa a direção de forma adequada, porém sem tanto impacto quanto conseguiu em “Viagem Maldita”. Parece que agora ele precisa se moldar a criar um estilo mais correto para poder entrar no cinema americano de suspense. Não é por aí. Ele poderia manter mais sua carnificina vista em “Viagem Maldita” e ser correto com sua câmera. Foi tudo uma questão de escolha, mas seu talento como cineasta continua valendo, já que cria momentos que se tornam grandiosos durante o longa, como a cena dentro de um quarto de vidro e sua subseqüente resolução, além do já citado prólogo.

Sutherland tem um problema que muitos atores de seriados tiveram ou continuam tendo. A popularização desse gênero de ficção televisiva é tanta que, com o passar de temporadas e mais temporadas, acabamos creditando completamente que um ator ou atriz acabe sendo o perfil ideal de um personagem. De uma forma ou de outra, Sutherland sempre será referenciado como Jack Bauer de “24 Horas”, assim como Sarah Jessica Parker será a Carrie Bradshaw de “Sex and the City”, Sarah Michelle Gellar como a caça-vampiros Buffy, Lisa Kudrow como a Phoebe de "Friends", dentre outros. Porém, é visível o esforço do ator em se diferenciar de Jack, principalmente na parte mais dramática envolvendo a família de Ben.

Ainda no elenco, Paula Patton é simplesmente deprimente em qualquer diálogo que participe, não passando confiança alguma. Aliás, a atriz não tem expressão, sua voz não ajuda e pouco importa se ela está a mercê do perigo dos espelhos ou não. A atriz Amy Smart é outra que só abre a boca na sua cena final, literalmente. Bonitinha, mas ordinária neste filme, Smart mal aparece e é apenas uma isca para mover a ânsia do protagonista por uma resposta.

Aliás, como visto no trailer, a personagem de Smart vive um momento ao melhor estilo Didi Mocó. A resolução da cena trocou o espanto pela ironia e um pouco de riso, principalmente pelos efeitos visuais de mal gosto, que mais tarde mostrariam não serem tão defeituosos assim em outras cenas. Cameron Boyce e Erica Gluck interpretam os filhos do protagonista e estão corretos em suas participações. Aliás, vale destacar que a coragem do diretor em aproximá-los da morte foi bem-vinda.

“Espelhos do Medo” entretém, porém, como vários outros filmes do gênero, dá a sensação de que novas linhas da história poderiam render melhores alternativas do que a trama principal. O desfecho do filme é irônico e mostra que não precisa aparentar tão apocalíptico para criar uma história de suspense decente.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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