Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Procurado, O

Nem se dando ao luxo de estrear na época de blockbusters das férias, "O Procurado" sabe de seu valor e certamente tomará as bilheterias nacionais neste mês de agosto. Mesmo sendo um filme hiper-irreal, o longa revela-se o mais declaradamente divertido do ano até então.

Para uma história chegar aos cinemas, é necessário ter um quê de realismo para construir uma trama. Este realismo, que precisamos para acreditar na história, não é obrigatoriamente aquele que qualquer um de nós poderíamos viver em nossas vidas, mas sim algo que possa ser desenvolvido em qualquer gênero midiático (histórias em quadrinhos, games, filmes, etc.) ou em gêneros fílmicos (terror, ficção científica, drama, etc.). Então, visto o que o público de cinema em sua maioria gosta de ver atualmente, adaptações de quadrinhos acabam se tornando mais um gênero do cinema, conseguindo construir, junto à tecnologia e a esperteza de seus realizadores, realidades fantásticas sobre monstros, heróis, mundos alternativos e habilidades surreais.

Então hoje em dia é basicamente aceitável que um homem normal fique gigante e da cor verde, como o Hulk, ou que o Batman e o Superman possam voar tranquilamente por aí, além de ter forças extraordinárias. O mundo de Hogwarts é inteiramente plausível na franquia que, talvez, seja a de mais sucesso do cinema atual, bem como as lutas e conquistas na trilogia "O Senhor dos Anéis". Já perceberam o quanto não reclamamos, a priori, de tais maneirismos "mentirosos" que acabam indo para os cinemas, construindo uma realidade e sendo aceito pelo público? Pois é.

Com "O Procurado", mais um filme inspirado em quadrinhos, não é diferente. O filme é quase inteiramente irreal, porém não deixa nunca de criar uma realidade para uma história que se comporta de maneira contemporânea e defende seu argumento claramente. Qualquer reclamação de que as cenas de ação ou o fato de uma bala conseguir fazer um movimento curvo para atingir o alvo é desnecessária em relação ao longa. A criatividade de Mark Millar e J.G. Jones ao construir o universo original da HQ "Wanted" e o fantástico teor estético do diretor Timur Bekmambetov, diretor do longa, construíram um filme divertido ao extremo em seus conceitos gráficos e dramáticos.

Na trama, Wesley (James McAvoy) é um grande loser que passa o dia aturando sua vida desgostosa. O trabalho que realiza é péssimo, a namorada o trai com o melhor amigo e não existe dinheiro em sua conta bancária. A vida do protagonista logo muda quando conhece Fox (Angelina Jolie) em um supermercado. Após salvar a vida de Wesley, Fox apresenta-o a Sloan (Morgan Freeman), um tipo de "presidente" do que se denomina Fraternidade, um grupo de assassinos que recebem ordens para eliminar outros assassinos perigosos. Wesley recebe a missão de matar o homem que assassinou seu pai, e logo a vida do protagonista passa a ganhar emoção e aventura.

Vale ressaltar que "O Procurado" é um filme que visa a diversão. É um tipo de pipocão bem realizado que entretém desde sua maravilhosa seqüência inicial. Aliás, todas as cenas de ação e perseguição são bem desenvolvidas, sem nunca serem confusas ou afastar o espectador delas. Há uma preocupação do diretor Bekmambetov e dos roteiristas Michael Brandt, Chris Morgan e Derek Haas em fazer do longa um bom exemplar do filme do gênero, sustentando a boa leva de adaptações de quadrinhos vistas no cinema este ano.

O roteiro prioriza as várias facetas de Wesley, desde a do perdedor até aquela onde o herói acaba entendendo qual a sua verdadeira missão na Fraternidade. Existem os momentos dramáticos que servem de motivação para o andamento da história, porém não são eles que interessam. Exemplos disso são espalhados por todo o longa, principalmente na cena do trem, quando não dão a mínima para as vidas perdidas com o acidente ou muito menos com a alternativa de Wesley em puxar rapidamente seu gatilho em alguém. Não há melodrama mexicano, e isso é saudável.

A história ganha mais emoção com a visão conceitual do diretor Bekmambetov, que dá ao filme momentos que variam desde o humor negro (até apelando para gags que se saem muito bem, por sinal) até diálogos mais sérios. Além disso, Bekmambetov mostra-se altamente criativo em suas definições de ação durante o longa, sempre dando um jeito de capturar a atenção do espectador da melhor maneira possível. Não tem como não citar um determinado instante em que salta à tela uma frase formada por teclas de um teclado de computador e um dente.

Por mais que haja uma completa entrega do diretor, talvez tenha faltado apenas harmonizar as passagens entre os atos do longa, principalmente antes do ato final. Porém, a edição não deixa o ritmo do filme cair em momento algum, e grande parte dos efeitos visuais são bem desenvolvidos. Na trilha sonora, Danny Elfman traz melodias mais do que conveniente, sem falar no ótimo êxito da música "Everyday Is Exactly The Same", do Nine Inch Nails.

Como se não bastasse uma equipe técnica decente, o longa ainda conta com o brilhantismo de James McAvoy, certamente um dos melhores atores atuais. Enquanto o mundo contempla Shia LaBeouf por seus papéis pops, McAvoy mostra o verdadeiro talento por ser um ator multifacetado. Seja interpretando um personagem alegórico em "As Crônicas de Nárnia: O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa", investindo em dramas como em "O Último Rei da Escócia" e no genial "Desejo e Reparação", ou fazendo a linha príncipe encantado no conto de fadas "Penelope", McAvoy mostra sua versatilidade em cena, e é isso que os bons atores precisam ter.

Em "O Procurado", McAvoy sabe os momentos certos para usar seu bom humor, bem como fazer a platéia acreditar que aquele perdedor do início do filme não existe mais e que está determinado a cumprir sua missão. Ao lado de McAvoy, Angelina Jolie usa com coerência sua beleza e sensualidade que o longa exige, enquanto Morgan Freeman se mantém sábio e acredita em seu personagem.

"O Procurado" é a prova que existe vida após "Batman – O Cavaleiro das Trevas" que, de tanto ser ovacionado (com razão, porém com exagero) pelos fãs e por todos os fatores que elevaram o filme a cult, acabou relevando-se sacal tanto endeusamento, como se o cinema não pudesse nunca mais ter bons filmes de heróis. Mais do que ação livre e seqüências frenéticas e impossíveis, "O Procurado" é diversão na certa.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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