Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 24 de agosto de 2008

Procurado, O

"O Procurado" mostra diversão e ação reunidas em um pacote só, mantendo o ótimo padrão de qualidade das adaptações de HQ lançadas em 2008.

O russo Timor Bekmambetov possui um dos melhores sensos estéticos da atual safra de diretores de cinema. Tendo ele comandado os bons "Guardiões da Noite" e "Guardiões do Dia" (os dois maiores sucessos da história do cinema de seu país natal), não demorou para que Hollywood o chamasse para um grande projeto. Seu primeiro filme nos EUA é este "O Procurado", no qual o cineasta pôde exercitar toda a sua criatividade visual em cenas de ação fisicamente impossíveis, mas que jamais deixam de tirar o fôlego do espectador.

Baseado bastante livremente na HQ homônima escrita por Mark Millar e desenhada por J.G. Jones (ambos homenageados rapidamente durante a projeção), o filme já começa nos apresentando a seu protagonista, Wesley Gibson (James McAvoy). Ele nos é mostrado como uma pessoa comum. Aliás, um pouco abaixo do comum: trabalhando em um escritório e abusado moralmente por sua obesa chefe, Wesley passa seus dias trabalhando e googlando a si mesmo, sem jamais achar nenhuma referência.

Ao voltar pra casa, Wesley dá de cara com uma namorada que o trai com seu melhor amigo, que sempre o acha "o cara". A despeito de reconhecer que sua vida é patética, Wesley nada faz para mudá-la, reconhecendo sua própria covardia, se desculpando para tudo e todos, mesmo sem ter feito nada errado. No entanto, em um dia em que seu transtorno de ansiedade parece especialmente mais incômodo, ele é abordado pela bela Fox (Angelina Jolie), que diz que seu pai, que ele nunca havia visto antes, era um dos maiores assassinos do mundo e que fora morto por um assassino chamado Cross (Thomas Kretschmann) e que ele é o próximo alvo. A partir daí, a vida de Wesley entra em um parafuso instantâneo.

Tendo herdado as habilidades impossíveis que tornaram seu pai um dos melhores de seu ramo (como percepções aceleradas e "curvar balas"), o antigo grupo de seu pai, a Fraternidade dos Assassinos, oferece a ele uma saída de sua vida ordinária e uma chance de vingar a morte de seu progenitor. A organização, liderada pelo durão Sloan (Morgan Freeman), se livra de pessoas que o destino lhes diz que devem ser eliminadas. Wesley resolve aceitar a oferta e começa seu duro (e doloroso) treinamento para se tornar uma arma do destino e eliminar Cross.

O roteiro, escrito a seis mãos por Michael Brandt, Derek Haas e Chris Morgan, é bastante eficiente e investe em doses de humor para compensar as altas doses de irrealismo da produção. A diversão e o visual dão o tom no filme, principalmente a partir do seu segundo ato, com o treinamento de Wesley e este abraçando o seu destino. Apesar das cenas de ação comandadas por Bekmambetov serem perfeitas aqui e dessas duas partes da película serem absurdamente divertidas, confesso que foi o primeiro ato que me agradou mais.

Trabalhando em um escritório que poderia estar em qualquer prédio de uma grande metrópole, o texto e o visual familiar facilitam nossa identificação com o então inseguro Wesley, que já ganha a simpatia do público logo de cara e sua revolta no local de trabalho é uma das melhores catarses da história recente do cinema. As características atrapalhadas e ordinárias do personagem são ressaltadas pela ótima interpretação de James McAvoy, que faz de maneira natural a transição entre as três fases distintas pelas quais deve passar na fita, vivendo-o em seu momento ordinário, em treinamento e em plena ação.

Já Angelina Jolie tem a mesma missão que sua personagem tem na fita, devendo seduzir o público e levá-lo a se entregar ao irreal e atraente mundo da Fraternidade. Com uma atuação fincada em seu físico, é uma pena que a película não explore os outros talentos da atriz, que tem apenas algumas cenas nas quais pode explorar sua Fox melhor. Já Morgan Freeman se mostra bastante a vontade como seu Sloan, apresentando uma aura de respeitabilidade e mistério a qual nos levam a acreditar na proposta da organização que o personagem mostra, o que é essencial para a fita.

É uma pena que Thomas Kretschmann e Terence Stamp não tenham mais tempo de cena no longa. O primeiro, vivendo Cross, acaba sendo subaproveitado no longa, o que inviabiliza uma resposta mais emocional por parte do público à grande reviravolta que acontece no final do segundo ato. Já o talentoso e veterano Stamp se vê reduzido quase a uma ponta, embora seu personagem, o armeiro Pekwarsky, deva ser melhor aproveitado em uma inevitável seqüência.

Usando e abusando de efeitos digitais – mas sempre se utilizando bem de tais recursos -, Timor Bekmambetov se sai muito bem em sua estréia hollywoodiana. Sabendo conduzir muito bem o longa, o cineasta acerta no tom, não forçando uma solenidade exacerbada que poderia naufragar o projeto. Ele capricha e muito nas cenas de tiroteios e, conforme já falado, seu tino visual é simplesmente único. Colaborando com o diretor de fotografia Mitchell Amundsen, ele captura todos os ambientes do filme com perfeição, adequando o visual de cada plano ao momento da projeção, até mesmo naqueles repletos de elementos virtuais – verdadeiras armadilhas para qualquer cinematógrafo.

Neste sentido, destaco ainda o serviço caprichado do desenhista de produção do longa, John Myhre, veterano da profissão e duas vezes vencedor do Oscar. Todos os sets da fita, desde o escritório de Wesley, as casas dos personagens e a base da Fraternidade são extremamente caprichados e muito bonitos de se ver, além de serem feitos na medida para os personagens e para a trama.

O ótimo trabalho do editor David Brenner deixa o filme com o ritmo alucinante ideal, sem prejudicar o entendimento da trama ou das cenas de ação. Na trilha sonora, o experiente Danny Elfman cria uma trilha que se mistura muito bem com o a fita, sendo bastante adequada para a produção. Além disso, o uso de músicas mais agitadas em momentos precisos da fita elevam a carga das cenas junto ao público.

"O Procurado" jamais deseja se mostrar um filme sério ou denso demais, apenas entreter o espectador e trazer uma simples mensagem: "que ***** você anda fazendo de sua vida?!". Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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