Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 11 de julho de 2008

Banheiro do Papa, O

Vencedor da 31ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, "O Banheiro do Papa" mostra com clareza a esperança de uma pequena comunidade em mudar de vida, ao mesmo tempo que trabalha a alienação da mídia e de seus personagens. Ainda com um argumento interessante, não passa de um filme comum.

Em 1998, os moradores da cidade de Melo, na fronteira do Brasil com o Uruguai, estão ansiosos pela chegada do Papa João Paulo II. Até então uma cidadezinha desconhecida, os habitantes viram uma oportunidade de manter a fé religiosa e aproveitar a movimentação de visitantes para vender quitutes e souvenires para ganhar dinheiro. Enquanto cada família prepara as comidas e bebidas em suas barracas, o batalhador Beto (César Trancoso) tem uma idéia mais original: enquanto os moradores entopem os visitantes de refeições, ele construirá um banheiro para que os visitantes se aliviem.

Porém, o sonho da construção e as péssimas condições financeiras do povo de Melo farão Beto se esforçar mais do que o normal. Beto é um tipo de contrabandista que viaja de bicicleta na fronteira com produtos que possam ser vendidos na sua cidade. Em casa, ele precisa sustentar a esposa Carmen (Virginia Mendez) e a sonhadora filha Silvia (Virginia Ruiz). Enquanto isso, a mídia não deixa de anunciar e expor o esforço dos moradores de Melo para a chegada do Papa que, quando ocorre, parece não ser tão benéfica quanto eles pensavam.

Uma co-produção brasileira, uruguaia e francesa, "O Banheiro do Papa" foi um dos projetos desenvolvidos pela O2 Filmes, de Fernando Meirelles. O diretor brasileiro deu a César Charlone a oportunidade de estrear na direção de um longa-metragem, já que até então exercia com mais freqüência o cargo de diretor de fotografia. Charlone tem uma boa parceria com Meirelles, trabalhando juntos nos premiados "Cidade de Deus" e "O Jardineiro Fiel".

Ao lado de Enrique Fernández, Charlone pôde articular o seu potencial na direção e no roteiro baseado em uma história real. Tanto Charlone quanto Fernández tiveram a liberdade criativa de compor a trama e digiri-la. Por mais que não tivessem experiência no cargo de diretor, a dupla se sai bem na composição dos planos, principalmente pela plástica visual investida por ambos. Porém, eles precisam desenvolver um melhor tato na condução do filme de uma forma que não seja cansativo ou repetitivo, duas características presentes no longa.

O que faz de "O Banheiro do Papa" uma boa experiência cinematográfica é o fato de mostrar a crença de uma comunidade que, até então, se sentia à parte do mundo. Quando o Papa incluiu a cidade em suas visitas pela a América do Sul, foi uma oportunidade de ouvir um sermão católico de perto e usar o comércio para ganhar a vida. No roteiro, são muitas as vezes em que temos exemplos do quão difícil é viver por lá. Fulano vendeu a casa e comprou duas vacas, por exemplo. Isso ajuda o argumento dos roteiristas que a preparação de uma boa recepção para o Papa e os visitantes que viriam do Brasil e de outras localidades ganhe credibilidade.

Os espectadores percebem logo de cara que tudo aquilo não acabará bem. Muitas famílias usam as economias para comprar comida em abundância que provavelmente não será consumida. Os jornalistas investem na alienação da população, fazendo entrevistas constrangedoras sobre a esperança que eles têm em mudar de vida com a chegada do Papa. Assim, a trama se sustenta de forma coerente. Porém, o que acaba prejudicando esse interesse na história são as constantes curvas no roteiro criadas para trabalhar o protagonista. Logo no começo, temos uma introdução longa sobre a dificuldade que é atravessar a fronteira entre Brasil e Uruguai, e depois as desavenças familiares de Beto e o sonho de Silvia em se tornar radialista/jornalista acabam tendo um menor impulso no conjunto final da obra.

A performance de César Trancoso é correta, apenas isso. Algumas vezes beirando ao caricato ou ao exagero, Trancoso tem talento, principalmente por segurar literalmente nas costas o desfecho da trama. Ao seu lado, a ótima Virginia Mendez como Carmen passa com segurança o tipo de mãe de família que vive com o que tem, sonha com poucas mudanças, pensa no futuro da filha e tem muita dignidade. A jovem Virginia Ruiz precisa apenas de um pouco mais de expressividade para que realmente acreditemos nela, mas não chega a atrapalhar o longa.

O humor do filme também é um ponto positivo, sem cair no grotesco. Charlone e Fernández investem em um humor cotidiano e situações banais que, por se apresentarem assim, acabam sendo deliciosas de assistir. O trio protagonista compartilha a cena que talvez seja a mais divertida e, ao mesmo tempo, que cria um parelalo entre a fé naquilo que eles estavam fazendo e o que poderia acontecer com a chegada do público. Beto, Carmen e Silvia ensaiam como será a recepção dos visitantes quando forem usar o banheiro, e tudo parece tão natural que realmente nos diverte.

Por mais que não seja uma obra que fique na história do cinema por sua qualidade, "O Banheiro do Papa" é importante pelo registro histórico de um povo que acredita em uma vida melhor, por mais que isso nem sempre signifique que consiga melhorá-la. Um bom começo para César Charlone e Enrique Fernández, principalmente se criarem mais o senso de perfeição em suas obras, pensando no conjunto e no acabamento. Assim, certamente veremos boas histórias deles em breve.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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