Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 28 de junho de 2008

Amar… Não tem Preço

Levantando uma discussão sobre a prostituição de luxo que acontece na alta sociedade, “Amar... Não Tem Preço” ganha força por colocar na tela um casal não só talentoso, mas também cativante. Audrey Tautou, claro, destaca-se como a oportunista Irène.

No universo desconhecido pela maioria das pessoas que circulam nele, existe uma pequena parcela de multimilionários que vive de rodar os hotéis mais caros e badalados do mundo, gastando fortunas em jantares, roupas de grife e jóias. Nesse mesmo universo, em uma faixa paralela, existem os pequenos oportunistas, que vivem de procurar essas pessoas para conseguir não apenas se sustentar, mas viver com luxo. Irène (Tautou) é uma dessas mulheres, e não se envergonha de trocar rodadas de sexo com homens bem mais velhos por um padrão de vida ao qual acostumou-se.

Quando conhece por acaso o tímido Jean (Gad Elmaleh), um garçom que se divide em vários trabalhos para conseguir juntar algum dinheiro, ela acidentalmente o confunde com um desses ricaços, e ele simplesmente não desfaz a falsa impressão. É aí que acontece a reviravolta na vida dele, já que não demora para ela descobrir que ele não passa de um funcionário. De garçom acaba transformando-se em gigolô – resta salientar, a única maneira que achou para ficar perto da moça que não se cansa em rejeitá-lo.

À primeira vista, o longa-metragem dá a nítida impressão de ter sido feito nos moldes de um daqueles enlatados americanos, a ponto de quase me fazer esquecer de que se tratava de um filme falado em francês. E é. Mas não se engane: enlatado sim, mas nem por isso engessado nas costumeiras moralidades dos romances americanos. É isso que diferencia esse trabalho das comédias românticas as quais nos acostumamos. Exatamente como uma frase dita por Tautou no filme, ganha por ao não tentar ser nada daquilo que não é. É simples, elegante e cativante.

O roteiro de Pierre Salvadori e Benoît Graffin torna a história charmosa e quase nos faz esquecer da humilhante situação em que estão aquelas pessoas, presas na necessidade de agradar seus parceiros a qualquer custo, a fim de garantir suas despesas. As já pré-dispostas situações são colocadas de lado para favorecer um romance que só acontece porque tem de acontecer uma hora ou outra. Irène definitivamente não vai se deixar levar por qualquer coisa, é dura na queda e não esconde que só fica com o homem que pode bancar suas extravagantes despesas. Jean é apaixonado, mas não espere dele grandes situações ou comoventes declarações, como acontece nos filmes norte-americanos.

Se a história foi escrita de maneira a fugir de certas convenções, o mesmo não acontece com a direção do próprio Salvadori. Contido e restrito, ele decide optar por um lado mais seguro ao dar vida ao roteiro. É a direção que torna o filme um enlatado, que é basicamente a impressão provocada pelo nacional “Se Eu Fosse Você” (com a diferença de que este último é bem menos interessante). O que salva a monotonia do diretor é o jogo de cena trazido pelos atores, que consegue trazer a sutileza do roteiro de volta.

A cara de cachorro-que-foi-deixado-para-trás-na-mudança de Elmaleh é digna de pena. Interpretando o simples Jean, ele encanta ao mesmo passo em que penaliza. Jean não tem orgulho e muito menos vergonha da origem simples. Mesmo sendo bancado por uma mulher mais velha (e, portanto, no circuito dos melhores e mais caros locais do país), ele não perde a mania de, por exemplo, levantar-se quando alguém chama um garçom. O charme exibido por ele, completamente desengonçado e sem beleza física alguma, poderia ter acabado por transformar-se em um personagem caricaturado, mas consegue sobressair-se. E olha, que conseguir esse feito quando se divide a cena com Tautou não é mole não.

Claro que a moça rouba a cena, assim como roubou quando ficou mundialmente conhecida por seu papel em “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar. A eterna Amélie investe em olhares e bocas para entrar em uma personagem que, até então, não havia experimentado: o da sedutora. Considero Tautou um tipo de Audrey Hepburn dos dias de hoje. Talentosa, esforçada e sabe como escolher um bom roteiro, passeando pelo drama, comédia, ação e romance com a naturalidade e a elegância mostradas por Hepburn.

Apesar da direção desinteressante, “Amar… Não Tem Preço” é uma inusitada e divertida comédia romântica que prova que nem sempre o cinema francês é sinônimo de cinema de arte. E isso não é necessariamente algo ruim.

Beatriz Diogo
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