Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 14 de junho de 2008

Outra, A

Depois do sucesso obtido por “Elizabeth” e sua continuação, “Elizabeth: A Era de Ouro”, chega às telas a história que volta um pouco no tempo para contar as circunstâncias do nascimento da rainha bastarda – como chegou a ser chamada na Inglaterra. Menos sexy que seu trailer (nem por isso menos interessante), o filme ganha charme ao retratar primorosamente o cenário da época.

O período é um dos que mais obteve destaque na história da Inglaterra. Sir Thomas Bolena (vivido por Mark Rylance) vê uma oportunidade de ouro nas mãos quando seu cunhado, ligado diretamente ao rei Henrique VIII (Eric Bana), lhe propõe que transforme uma de suas filhas em amante do monarca. A empreitada favoreceria a família, colocando-a não só no séqüito do rei, mas garantindo conforto, propriedades e riquezas. Isso para não mencionar a maior ambição da época: gerar um herdeiro. Incutido pela ambição, Bolena imediatamente decide apresentar sua filha Ana Bolena (Natalie Portman) para assumir a “responsabilidade”. Eles só não contavam com o fato de que, por um imprevisto, Henrique VIII acabaria interessando-se pela mais nova, chamada Maria (Scarlett Johansson), recém-casada.

A partir daí, um jogo pelo poder está prestes a ser iniciado, já que a ambiciosa Ana não se dará por vencida – especialmente pela tímida irmã, que considera incapaz de manter o interesse do rei. Determinada, ela faz com que ele provoque no país um dos maiores escândalos já escritos: anula o casamento com a rainha e casa-se com Ana, que lhe promete um herdeiro homem. Com isso, ele é excomungado pelo papa, fazendo com que funde a Igreja Anglicana.

Inspirado no livro “A Irmã de Ana Bolena”, de Philippa Gregory, o roteiro tinha intenções de partir do mesmo pressuposto da obra que foi sucesso de vendas: falar sobre a apagada figura de Maria Bolena no polêmico caso da dinastia Tudors. Adaptado por Peter Morgan, que havia realizado trabalhos como o recente e premiado “A Rainha”, e o desconhecido “Henrique VIII” (que versa em cima do mesmo conteúdo de agora), o longa-metragem consegue narrar de maneira eficaz os conflitos vividos entre o triângulo amoroso da história, a politicagem que envolvia o reino e o papel cruel que era dado às mulheres no século XVI. Em determinado momento, Lady Elizabeth Bolena (Kristin Scott Thomas) discursa sobre a maneira como as mulheres têm sido vinculadas ao sexo e ao poder que exercem através dele.

Morgan ganha por fugir do padrão adotado em filmes de época e investir em um discurso simples e direto para sua trama. Se deixa sua história superficial, ao ponto em que não consegue dar devida importância a momentos que normalmente seriam o êxtase da película, consegue contar algo que se desenrolou por meses a fio em apenas duas horas de projeção.

Acontece que, assim como na história conhecida mundialmente, Maria fica mais uma vez apagada no filme. Quer pela atuação sem nuances de Johansson, ou pelo próprio perfil traçado para o personagem. Acho que, no caso, nem um nem outro: foi pela excelente performance de Portman, que, mais uma vez, se sobressai nas telas, agora na figura da mais controversa rainha britânica. Segura de si, ela rouba o brilho de cena em detrimento também de Bana, completamente ofuscado em sua falta de expressividade.

Se roteiro e elenco ajudam, a direção não faz o mesmo. Advindo do mundo de séries televisivas, Justin Chadwick não faz mais que colocar sua visão de quem faz TV em dezesseis milímetros. A tentativa sem sucesso de mostrar o filme do ponto de vista de um expectador que vê através de frestas o desenrolar do drama funciona como uma armadilha para o trabalho, já que vai de encontro à própria narrativa abordada no roteiro, adotada de maneira a fazer com que quem assiste sinta-se onisciente em relação a tudo que ocorre. O choque entre roteiro e direção é óbvio e tira a força de algo que tinha tudo para ser mais bem pontuado. É visível a discordância, que gera um ritmo para a película que perturba o tom adotado por Morgan – e resta salientar, bem mais interessante.

Além disso, o longa-metragem peca por sua fotografia inconstante, no sentido em que encontra bons momentos e uma iluminação e enquadramento que casam perfeitamente com o cenário, e, em outros momentos, perde-se e acaba destruindo o que foi construído pela direção de arte.

Aliás, a direção de arte é um ponto impecável aqui. A construção de cenários ricos em detalhes, que mostram com perfeição a Inglaterra do século XVI, são de encher os olhos. O ponto principal está no figurino, que parte desde a recriação de estampas da época à inserção de pequenos acessórios que viravam modismos no período. Além disso, arriscadamente, a excelente Sandy Powell (vencedora por dois Oscars, por “Shakespeare Apaixonado” e “O Aviador”) optou por dar às duas personagens, com personalidades totalmente distintas, basicamente o mesmo figurino, com pequenas e sutis mudanças de uma para a outra. Salientando a idéia de unidade das irmãs, que mais tarde transformam-se em rivais, ela dá um forte auxílio para o conteúdo visual que envolve o público.

Talvez os Tudors sejam mesmo a parte da realeza britânica que causará sempre o maior nível de interesse em nós, reles mortais. Com série de televisão (“The Tudors”) especialmente para narrar os fatos mais chocantes, fato é que o filme lançado este ano deixa sim a desejar, mas nem por isso torna-se dispensável.

Beatriz Diogo
@

Compartilhe

Saiba mais sobre