Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 14 de junho de 2008

Fim dos Tempos

O diretor indiano M. Night Shyamalan aborda em “Fim dos Tempos” uma catástrofe da natureza, mas torna seu filme uma verdadeira catástrofe. Shyamalan mostra que está completamente fora de forma e o conhecido estilo de ousar nas telonas já não justifica seus filmes ruins.

Quando o assunto é Shyamalan, uns chiam e outros endeusam. Um diretor de princípios até então, ele ganhou o respeito da mídia quando surpreendeu e assustou o público com “O Sexto Sentido”. A partir daí, seu nome é garantia de investimentos em qualquer filme que pretenda fazer. Neste meio tempo, o indiano lançou filmes como “A Vila”, outro que costuma ser incompreendido pelos espectadores, mas que ainda assim tem uma filosofia no mínimo interessante.

Em 2000, Shyamalan criou “Corpo Fechado”, que se aproxima a uma obra prima em sua pequena filmografia. Depois filmou “Sinais” e o completamente desagradável “A Dama na Água”. Basicamente moderno e inteligente, Shyamalan faz de “Fim dos Tempos” o pior filme de sua carreira, consolidando a idéia de que aquele cineasta que uma vez foi considerado um dos grandes da nova geração, não passa de um errôneo e ambicioso homem que mantém o bom cinema longe de si. Vai precisar de muito para se redimir.

A premissa de “Fim dos Tempos” é bem atual e certamente daria um grande filme. A natureza e sua revolta contra os humanos que utilizam de forma inadequada dos recursos naturais são sempre bons ganchos. Adicionado a uma trama supostamente interessante, o nome de Shyamalan aliado ao roteiro, produção e direção da película ainda causa a sensação de que desta vez pode ser um filme decente. Não é. Na trama, um fenômeno estranho faz com que humanos se suicidem. Fé, ciência, terrorismo, crise conjugal e muitos outros subtemas são também abordados.

O professor Elliot Moore (Mark Wahlberg) é um dos que tentam sobreviver da catástrofe ao lado da esposa Alma (Zooey Deschanel) e da pequena Jess (Ashlyn Sanchez), filha de um amigo. O trio precisa entender o que está acontecendo e presencia cenas desagradáveis de suicídio e perigo coletivo. Ah, sem deixar de esquecer o que teoricamente seria “bom humor”, mas acaba sendo tiradas de mal gosto. Em um filme em que pretende-se alertar o mundo sobre os problemas com a natureza, brincar com a própria ideologia é irremediável.

A história não dá credibilidade alguma que aquilo realmente ameaça os protagonistas ou os figurantes. Parece apenas mais um bloco de jogos ao estilo “Jogos Mortais” na tentativa de criar uma atmosfera de mistério para o filme. Como se não bastasse a falta de liga da trama, lá pelas tantas aparece uma tal de Sra. Jones (Betty Buckley), que simplesmente protagoniza as cenas mais patéticas. É simplesmente vergonhoso como um cineasta bem reconhecido mundialmente consegue chegar a tal ponto de perder as estribeiras e ofender a inteligência do espectador.

Só faltou mesmo a aparição de um ET para solucionar desesperadamente a trama, mas o desespero é superado pela solução “de Deus” para que o filme tenha um desfecho “adequado”. Tudo é tão superficial que ao menos torcemos para os protagonistas sobreviverem. Talvez seria até mais interessante um registro de como a natureza em si se volta contra a agressão humana do que pessoas que sequer criam empatia tentando sair ilesas.

Como se não bastasse uma história sem sal, o elenco dá um show de interpretações deprimentes. Mark Wahlberg devia ser desonrado pela indicação ao Oscar por “Os Infiltrados”. Em “Fim dos Tempos”, seu personagem é ridículo e ganha a caracterização adequada. Porém, os diálogos que estabelece, seja com humanos ou plantas, são simplesmente desastrosos. Assim também segue a personagem de Zooey Deschanel, que sofre mais ainda com a impossibilidade de alterar a expressão de seu rosto. Ela consegue é ser mais apática do que Stallone vivendo o Rambo. John Leguizamo aparece e some rápido e é o único que parece levar o filme a sério, ainda que não promova uma atuação de destaque.

Além de um roteirista problemático, Shyamalan também é um péssimo diretor. Seus planos que em outros filmes funcionaram, neste aparecem deslocados. Qualquer esboço de tentar criar uma estética ou dar profundidade às imagens é ignorada pelo pouco interesse que a trama geral provoca. Para não dizer que Shyamalan é totalmente inexpressivo no cargo de diretor, ele ainda registra algumas das mortes de forma sinistra, mas só.

Shyamalan declarou que “Fim dos Tempos” é um filme B com a proposta de ser divertido. Não existiria letra do alfabeto que definiria o estilo deste filme, muito menos profissionais do entretenimento que proporcionasse diversão durante uma sessão do mesmo. “Fim dos Tempos” é um filme que merece ser retirado da história do cinema, pela simples inabilidade de construir uma narrativa sólida.

Se juntando a filmes como “Uma Chamada Perdida” e “Imagens do Além”, “Fim dos Tempos” é um dos piores filmes do ano até agora. Shyamalan perdeu seus conceitos visuais e a noção de quanto pode ser um artista influente no mundo do cinema. Ao invés de cativar espectadores, ele afasta o grande público que vai ao cinema para ver boas histórias, mas é vítima de um projeto fraco e atordoante como este.

Nem para dar a lição de que devemos preservar a natureza o filme consegue ser funcionar. Se continuar assim, estaremos mesmo no fim dos tempos do cinema de qualidade, onde a tecnologia cria apenas heróis, catástrofes e guerras épicas, mas que nem metade deles possui conteúdo a ser apreciado verdadeiramente.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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