Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 02 de junho de 2008

Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian, As

Certamente muito superior ao primeiro filme, a nova aventura de fantasia da Disney entretém a maior parte do tempo, melhorando muitas convenções que não agradaram no longa anterior. Mesmo assim, problemas ainda são encontrados e lamentados.

Em 2005, a Disney resolveu levar às telonas a obra do escritor irlandês C.S. Lewis como competidor da aventura da Warner Bros., “Harry Potter”. As comparações foram inevitáveis, mesmo com a septlogia escrita por Lewis ter vindo bem antes do bruxinho de J.K. Rowling. Decidindo seguir uma cronologia diferente da que Lewis apresentou em sua obra completa, a Disney filmou o segundo livro, “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa”, que desagradou a boa parte do público e crítica, por seu teor infantilizado e cenas de lutas artificiais. Agora, o quarto livro da seqüência, “Príncipe Caspian”, ganha uma adaptação infinitamente superior em termos estéticos, porém desagrada em alguns pontos iguais ao anterior.

A literatura de Lewis é deliciosa de ler, seja você criança ou não. Adotando uma linguagem fácil, o autor consegue amarrar sua história e prender a atenção com maestria. A decisão da Disney em começar a franquia com “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa” foi puro marketing, e acabou sendo vítima da própria ambição. Antes trouxessem como base narniana o primeiro livro, “O Sobrinho do Mago”, que é bem mais interessante que “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa”.

De qualquer forma, o principal erro do primeiro filme foi o uso indevido da infantilidade da obra de Lewis em um filme bobo e mal feito. Os efeitos são desagradáveis e os protagonistas nem um pouco interessantes. Apesar disso, a bilheteria imensa ajudou “Príncipe Caspian” vir às telas e, para quem esperava um filme ruim como o primeiro, até sai da sala com a sensação de que a Disney adotou o tom certo para a franquia. Assim como “Harry Potter”, parece que a passagem dos anos em Nárnia e para os irmãos Pevensie é essencial para que o filme se torne mais maduro.

Com a equipe técnica do primeiro filme trabalhando para que este segundo fosse mais eficiente, o principal destaque vai para os roteiristas Christopher Markus, Stephen McFeely e Andrew Adamson, este último também na função de diretor. Não que a adaptação em si esteja perfeita (até porque não agüento mais bater na mesma tecla de que a literatura é diferente da linguagem cinematográfica e alterações são sempre possíveis), mas há uma preocupação em amarrar a história por completo.

Os roteiristas se desligam de algumas fórmulas escritas por Lewis, por exemplo o diálogos fáceis e repetitivos, e recriam a trama sem prejudicá-la. A primeira parte do livro “Príncipe Caspian” é feita em flashback, contando com detalhes o passado de Caspian e muitos por quês que o filme não deixou claro. A relação de Caspian e Dr. Cornelius, por exemplo, é extramente minimizada, o que é uma pena, já que os dois têm uma grande contribuição para a compreensão da trama em geral.

Abdicando de certos conflitos e re-decorando outros, o roteiro investe em formar um filme de guerra, se distanciando da inocência do primeiro filme, ainda que caia em conflitos piegas, como a rivalidade pouco justificada de Pedro e Caspian, e o clima de paixão entre Susana e Caspian. De qualquer forma, o que acaba declinando a trama é a aparição tardia de Aslan, que serve como glorificação de um mito na terra de Nárnia, mas acaba nos indagando por que ele não apareceu antes para salvar os mocinhos de seus problemas. Aliás, as batalhas são muito bem coreografadas, mostrando que o diretor Andrew Adamson poderia ter sido mais eficaz no primeiro filme. Adamson tem ambição em seus movimentos de câmera e registra momentos de extrema grandeza para a narrativa.

Ainda que haja toda essa preocupação em melhorar, o filme continua trazendo seus protagonistas apáticos a maioria do tempo. Mais desenvoltos que em “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa”, o quarteto perde aquilo que os astros de “Harry Potter” possuem: carisma. A única que continua agradando com sua amabilidade é Georgie Henley, como Lúcia. William Moseley, que interpreta Pedro, é o que mais prejudica, já que suas motivações de raiva ou rancor não são bem exploradas ou interpretadas.

O elenco de apoio consegue chamar mais atenção do que os protagonistas, com destaque para Sergio Castellitto como o vilão vulnerável e Peter Dinklage como o gracioso Trumpkin. Ben Barnes, nova estrela de Hollywood, faz apenas o básico para viver o príncipe Caspian, muitas vezes até parecendo estar perdido em cena, mas não chega a desagradar. Ele é determinado e constrói Caspian com a integridade de um herói. Vale citar também a pequena aparição de Tilda Swinton como a Feiticeira, que oferece perigo para piorar os problemas na Nárnia do rei Miraz.

Os efeitos visuais amenizaram o uso excessivo de “fundo verde/azul” para recorte de cenário e soou mais natural em cena. A tecnologia da Disney é fantástica, e o pouco apuro em efeitos do primeiro filme foi inadequado. Neste, vemos uma equipe técnica mais preocupada com a força que a magia da computação gráfica pode exercer sob a película. Ainda continua sendo fantástica a criação de Aslan, completamente expressivo e aparentemente palpável. É impossível não sentir de longe que o personagem é uma bola de pêlo fofa e simpática. O que não melhora em relação ao primeiro é a trilha sonora, muito exagerada em alguns momentos, mas que nas cenas de batalha ganham grande relevância.

O principal sucesso de “Príncipe Caspian” está em transformar muitos erros do filme anterior em acertos. Mesmo não sendo perfeito, o longa continua trabalhando conceitos religiosos e fantasiosos que enchem os olhos dos espectadores, transformando-se em um bom filme nesta temporada de blockbusters. Trocando a inocência de “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa” e ganhando maturidade com “Príncipe Caspian”, resta apenas torcer para que no próximo longa a Disney reveja os erros e construa um filme impecável, já que a obra de C.S. Lewis permite isso.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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