Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 06 de junho de 2008

Margot e o Casamento

O drama familiar “Margot e o Casamento” é um belo ensaio sobre problemas familiares e personagens cujas aspirações estão mais na construção pessoal que o espectador faz de cada um. Noah Baumbach constrói uma história delicada e imperdível, que merece ser degustada aos poucos.

Pauline (Jennifer Jason Leigh) está prestes a casar com Malcolm (Jack Black) em uma cerimônia na casa onde foi criada com a irmã, Margot (Nicole Kidman). As duas estão afastadas há um bom tempo, devido a desavenças do passado e a incompatibilidade de suas personagens. Mesmo irmãs, elas levam suas vidas de formas diferentes, por mais que tem agido com mais cumplicidade enquanto eram jovens. É essa cumplicidade, ou a falta dela, que vai mover esse reencontro. Margot viaja com o filho Claude (Zane Pais) para a cerimônia. O casamento será o catalisador para renovar contatos ou reformulá-los. Ninguém ali é o mesmo, e cada um tem seus problemas pessoais que precisam ser superados.

O fazer cinematográfico tem se rendido cada vez mais a super-produções que arrecadam milhões de dólares em todo o mundo e, na maioria das vezes, com merecimento. Porém, grandes histórias não são as mais caras ou as mais famosas. Existe uma parcela de realizadores e cineastas, bem como atores, que decidem investir em filmes cujos propósitos estão muito mais em se ligar ao que comumente é chamado de ‘cinema de arte’ do que no cinema convencional. O consumismo de filmes que promovem a reflexão direta também tem aumentado, ainda que haja um preconceito e dificuldade em serem distribuídos internacionalmente.

“Margot e o Casamento” chegou ao Brasil diretamente em DVD, o que é de se espantar, visto que traz um elenco de peso e a assinatura do diretor Noah Baumbach, que ganhou visibilidade após “A Lula e a Baleia”. Assistindo ao filme, percebe-se a total despretensão em torná-lo comercial. A trama de Baumbach é absurdamente envolvente e torna-se pessoal, possibilitando leituras que dependem apenas de quem está consumindo. Baumbach resgata em sua obra a possibilidade de oferecer recursos para o próprio público escolher como participa da história. Em momento algum, o diretor e roteirista pretendem antecipar reações de quem assiste, deixando o livre arbítrio para compactuar da forma que quiser.

O filme preza por trabalhar com situações comuns que vão se articulando a partir do que você acredita e confia naqueles personagens. Baumbach inicia e finaliza seu filme meio a ações, sem a preocupação imediata em justificar o que será visto em cena. A cada novo conflito demonstrado, ficamos mais perto de compreender aqueles personagens tão conflituosos e, ao mesmo tempo, tão palpáveis. Os recortes da história de Baumbach são fundamentais para gerar interesse e a forma como o elenco participa disso dá flexibilidade e confiança de que não é só mais uma história sobre problemas familiares.

Margot é vítima da ultra-sinceridade com os outros, o que a faz esconder o que acha de si mesma. Ela foge de uma vida que não quer mais viver, capaz de abandonar o filho para voltar a ser feliz, se for preciso. Pauline convida a irmã para o casamento com o objetivo de ter sua ‘melhor amiga’ por perto. Mesmo com o passado duvidoso das duas, Pauline decide que ter Margot na cerimônia é uma forma de voltar a estar bem. Margot, influenciada pela fuga de si e pela provável vontade de realimentar a relação com a irmã, aceita o convite e parte com o filho.

O principal problema entre as duas está na maior sacada do roteiro de Baumbach. Por mais que as relações familiares ofereçam a necessidade de serem construtivas, elas podem degradar. Margot e Pauline já não são mais as crianças que fugiam juntas da violência que sofriam na infância. Margot desapontou Pauline em um determinado momento de sua vida, mas é para Margot que Pauline recorre quando decide se casar. Quando Margot chega na casa da irmã, ela tenta provar que as duas possuem a química de antes. Elas riem juntas e confessam segredos. Entretanto, a superficialidade daquela relação predomina. Elas querem voltar a algo que, por algum motivo da separação, não pode ser o mesmo. Nem por isso, elas se abandonam, mesmo sendo muito difícil aceitar isso.

Margot e Pauline se culpam mutuamente de coisas que certamente não possuem culpados, a não ser o tempo. Margot se posiciona contra o casamento da irmã, mas nem por isso interfere diretamente nisso. Baumbach cria diálogos incríveis para Margot e os principais traços de sua personalidade são revelados quando ela indaga que todos, inclusive seu filho, a culpam de tudo que acontece. Seria Margot uma anti-heroína recalcada e amargurada, ou estaria ela com um problema tão grande quanto Pauline? São questionamentos cujo intimismo dos personagens é que estabelecerão como serão lidos pelo público.

A realidade é que “Margot e o Casamento” é um filme sobre relações. Ainda se destaca a relação de Margot com o filho Claude. Variando entre momentos de extremo amor e repulsa, os conflitos de Margot interferem até na relação com o único que não a abandona. Aliás, Claude também é importante na história por estar entrando na puberdade e assistindo, assim como a prima Ingrid (Flora Cross), a vida dos adultos e criando conceitos sobre relacionamentos. Ele tem contato com traição e desejo, e isso o instiga a querer saber mais. A química entre Zane Pais e Nicole Kidman é incrível, bem como a da atriz com todo o resto do elenco. São atuações cuja espontaneidade esquecem a marcação e as regras, dando uma volubilidade bem maior ao fluxo dos acontecimentos e tornando tudo crível.

Pauline e Malcolm formam uma dupla fora do convencional que funciona maravilhosamente bem em cena. Por mais que “seja totalmente sem atrativos”, como definiu Margot, Malcolm é para Pauline uma pessoa que passa segurança. Eles se divertem e sofrem juntos e são cúmplices de vidas fragmentadas pelo passado. Jennifer Jason Leigh demonstra controle total sobre sua personagem e casa muito bem com o lado dramático de Jack Black. É muito complicado para atores de comédia se desvencilhar do riso, mas em “Margot e o Casamento”, quando Black precisa ser engraçado, não soa forçado. A carga emocional do seu personagem é tamanha que afasta qualquer momento pastelão.

Quando um diretor escreve e filma sua própria história, é fácil chegar a uma conclusão rápida se ele tem talento ou não. Pensar em um texto e depois transformá-lo em imagens é um desafio de inteligência, e Baumbach sabe muito bem o que tirar de cada cena escrita/filmada. Ele aproveita seqüências, facilita a edição para não torná-la cansativa e tem em mãos um elenco impecável. Sua câmera se desprende dos formalismos, corre junto com o personagem, denuncia emoções e esconde segredos.

Para uma mente que opta, inclusive, por se abster de uma trilha sonora, elemento crucial para bons dramas, na tentativa de manter uma história crua e altamente eficaz, só resta os parabéns. Que mais Margots e casamentos venham pela filmografia deste competente cineasta.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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