Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 25 de maio de 2008

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal

Após uma ausência de quase duas décadas das telas do cinema, o maior aventureiro da história da sétima arte retorna mostrando que o importante "não são os anos, mas a quilometragem".

Rick O'Connell, Lara Croft, Ben Gates. Muitos tentaram ocupar o vácuo de aventureiro histórico que Henry Jones Jr. deixou no coração dos cinéfilos após cavalgar rumo a um horizonte ensolarado no final de sua "Última Cruzada" em 1989. A despeito de alguns dos filmes estrelados pelos substitutos citados terem sido até divertidos (com exceção daqueles protagonizados pela Srta. Croft), todos se perguntavam quando o maior de todos iria reclamar de volta o seu lugar de direito. Após anos de idas, vindas, boatos, falsos começos e roteiros não-aprovados… Indiana Jones está de volta e em grande estilo!

Com um orçamento estimado em US$ 185 milhões – mais do que todos os seus predecessores juntos – "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" é, acima de tudo, um filme-evento. Para aqueles que esperam encontrar uma experiência cinematográfica que mudará suas vidas ou respostas para questões filosóficas eternas em forma de celulóide, aviso logo: este filme não é para vocês. Assim como em sua trilogia clássica, esta quarta aventura do bom e velho (mas nem tanto assim) Dr. Jones é uma dose concentrada de diversão e entretenimento, com o doce adicional da nostalgia.

O filme começa já mostrando ao espectador que o pano de fundo dessa nova história não é aquele dos filmes anteriores. Sai a discrição dos anos 1930 e entra o espírito rebelde dos anos cinqüenta. Logo de cara, vemos Indy (Harrison Ford, obviamente) e seu parceiro Mac (Ray Winstone) capturados por agentes soviéticos. O nosso Dr. Jones conhece, então, a implacável líder dos agentes comunistas, a Cel. Dra. Irina Spalko (Cate Blanchett), líder da unidade paranormal do exército de Stalin. Ela obriga o herói a localizar um certo item em um galpão conhecido dos fãs da franquia, algo que ele não fará de bom grado.

Após esse "pequeno" incidente – e algumas cenas de tirar o fôlego -, Indy se vê envolto em um clima Macarthista que o leva a querer jogar a toalha e partir para novas paragens. No entanto, a aparição do jovem e esquentado Mutt (Shia LaBeouf) alertando o arqueólogo do desaparecimento de um antigo amigo seu, o Dr. Oxley (John Hurt), e do seqüestro da mãe do rapaz, coloca essa dupla improvável no caminho de uma nova aventura, repleta de perigos, inimigos, armadilhas e uma ou duas surpresas familiares. Tais surpresas incluem o retorno do grande amor da vida de Indy, Marion Ravenwood (Karen Allen), sumida desde "Os Caçadores da Arca Perdida".

A dupla Steven Spielberg e George Lucas mostra que conhece muito bem o seu eleitorado. Durante toda a projeção, os fãs são presenteados com diversas homenagens, não só às encarnações anteriores da franquia (até a série de TV é lembrada!), mas a várias outras clássicas produções da dupla. Cinéfilos mais atenciosos verão citações à trilogia "De Volta Para o Futuro", à saga "Guerra nas Estrelas", "Loucuras de Verão" e, principalmente, "Contatos Imediatos de Terceiro Grau". É impossível qualquer fã da cultura pop cinematográfica não se deleitar com esses pequenos easter eggs!

Além disso, o próprio roteiro da fita dá uma ótima tacada ao reconhecer a passagem do tempo também na própria cronologia da série. No entanto, Indy não passou esses quase vinte anos parado. Vemos referências a diversas aventuras do personagem, inclusive suas ações durante a Segunda Guerra Mundial (tendo chegado à patente de Coronel), uma pequena participação dele em Roswell e algumas outras ações contra comunistas, além de diversos novos artefatos arqueológicos em sua casa.

No entanto, a falta que o pai do herói, Henry Jones Sr., e o reitor Marcus Brody fazem na tela vai ser sentida por todos os fãs, assim como foi pelo próprio personagem, algo ressaltado na dor com que Indy olha para as fotos destes em dado momento. Foi realmente uma pena que Sean Connery não tenha voltado para viver novamente o pai do herói. Porém, fica ressaltado o respeito pelo seu personagem apresentado pelo filme, assim como as belas homenagens ao falecido ator Denholm Elliott, que viveu Brody no primeiro e no terceiro filmes da saga.

O maior trunfo deste quarto exemplar cinematográfico da franquia, como não poderia deixar de ser, é Harrison Ford. O veterano ator pode até não ter feito todas as suas cenas perigosas, mas ainda mostra que está em forma para viver o Dr. Jones, mesmo tendo chegado aos seus 65 anos, uma idade um tanto avançada para um herói de ação. O carisma de Ford faz parte da personalidade de Indy, sendo algo tão inerente ao personagem que se torna impossível visualizar qualquer outro ator vivendo o herói em seu lugar. Desde sua primeira aparição até o final da projeção, Ford domina a película de modo magistral, contando com cenas absolutamente marcantes.

Isso não aconteceria se o protagonista não tivesse química com seu elenco de apoio. Assim sendo, foi absolutamente genial a idéia de trazer de volta Karen Allen para viver a maior de todas as "Indy Girls", Marion Ravenwood. Os diálogos entre ela e Ford são puro ouro, com o reencontro de Marion e Jones e a cena com o "buraco de areia seca" sendo as melhores de todo o filme em matéria de diálogos.

Quem também não decepciona é Shia LaBeouf. O rapaz já havia provado que possui o carisma necessário para segurar a onda de blockbusters e, se tratando da continuação de uma das franquias mais importantes do cinema, ele não faz feio. Ágil, com uma presença de cena firme e sem jamais se intimidar com seus experientes companheiros de cena, o jovem encarna o espírito da juventude dos anos 50 com perfeição. Ele emula ícones da época como James Dean e Marlon Brando, mas sem jamais deixar de imprimir sua própria personalidade ao impetuoso Mutt. Além disso, a interação de LaBeouf e Ford é ótima de se ver na tela, rendendo momentos engraçadíssimos.

Já Cate Blanchett passa um pouco do ponto como a vilã comunista Irina Spalko. Em seus melhores momentos, a personagem lembra a ambiciosa Elsa Schneider de "A Última Cruzada", mas a caracterização de Blanchett acaba se tornando excessivamente caricatural durante boa parte da projeção. Apesar disso, seus últimos momentos em cena possibilitam que entendamos melhor o caráter de Spalko, o que melhora o saldo final desta.

Ray Winstone encarna o ganancioso arqueólogo Mac de modo divertido, com este mudando de lado o tempo todo e querendo mais saber do lucro do que de qualquer outra coisa. John Hurt como o enlouquecido Harold Oxley diverte ocasionalmente, embora apareça muito pouco para que realmente nos importemos com ele, já que somente o vemos de verdade nos últimos instantes da produção. A ponta efetiva do sempre competente Jim Broadbent como o reitor atual da universidade onde Jones leciona é importantíssima para a trama, fazendo a ligação emocional do protagonista com o meio acadêmico e com seus entes queridos já falecidos.

Steven Spielberg mostra que ainda sabe como conduzir um bom blockbuster. Inserindo planos idênticos aos de filmes anteriores da série, o diretor ativa a memória afetiva dos fãs mais antigos. Além disso, este quarto Indy possui ótimas seqüências de ação, tais como a maravilhosa perseguição a Indy e Mutt, com os dois heróis fugindo de moto, o confronto no galpão militar e o confronto com os nativos na tumba do conquistador, sem falar de uma genial seqüência envolvendo um armamento pesado. Já a fuga no rio Amazonas possui muitos momentos interessantes (e vários extremamente divertidos), mas acaba perdendo um pouco de seu brilho graças a uma forçada cena onde Mutt imita Tarzan, que parece ter sido inserida no filme por George Lucas enquanto Spielberg estava distraído.

Nos demais aspectos técnicos, quase todos os envolvidos são antigos colaboradores do diretor e trabalham como uma máquina bem lubrificada. O montador Michael Khan, que editou todos os longas da série, não falha em colocar um ritmo adequado ao filme, deixando que este empolgue o público mesmo no meio de seu segundo ato, mais expositivo que os demais.

Janusz Kaminski cria uma fotografia que remete diretamente aos filmes da trilogia original, que contavam com o lendário Douglas Slocombe na função. O uso de sombras e silhuetas, algo em que Slocombe era especialista, por parte de Kaminski é esteticamente perfeito e se encaixa muito bem na produção. Como se trata de um "Indiana Jones", a direção de arte e o desenho de produção têm de estar perfeitos.

Nesse departamento, nada com o que se preocupar, principalmente com o filme tendo o competente Guy Dyas como designer de produção. Ele desenvolve muito bem ambientes completamente diversificados como o galpão militar, a tumba do conquistador e a cidade de Akator, sem contar o campus da Universidade, perfeitamente recriado como no primeiro filme da série. A maravilhosa trilha do mestre John Williams não pode ser esquecida. Novos temas se misturam as composições clássicas da franquia, criando o clima perfeito para o longa.

Divertido, emocionante e nostálgico, "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" pode não ser moderno como "Homem de Ferro" ou ter o experimentalismo de "Speed Racer", mas é tão divertido quanto os filmes anteriores da série. E isso já o coloca em um patamar diferenciado em relação aos demais filmes desta temporada. Este presente dos realizadores aos fãs é um longa imperdível!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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