Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 11 de maio de 2008

Speed Racer

O exagero e o cartunesco dão o tom em "Speed Racer". No entanto, essa overdose de psicodelismo e efeitos especiais provida pelos irmãos Wachowski revelou-se como um dos filmes mais insanamente divertidos dos últimos tempos!

No final da década de 1990, os irmãos Larry e Andy Wachowski revolucionaram o mundo dos efeitos especiais com o estupendo e sombrio "Matrix". Após dirigirem duas continuações relativamente decepcionantes do citado filme, a dupla volta a atacar, dessa vez no lado oposto da narrativa. Enquanto a saga de Neo e seus amigos tinha um clima opressor e fatalista, a diversão sem limites é marca de "Speed Racer".

Fãs assumidos de animação japonesa, os Wachowski já flertavam em sua filmografia com a arte do anime. Aqui, eles assumem tal paixão em cada fotograma desta aventura. A começar pelo tema do longa. "Speed Racer" é baseado no anime "Maha Go Go Go", criado por Tatsuo Yoshida na década de 1960 e que fora popularizado no mundo – inclusive no Brasil – com seu título americanizado.

A obra original, assim como o filme, conta a história do filho do meio da família Racer, Speed. Um piloto de carros de corrida absurdamente dotado, o rapaz veio de uma família que tem o automobilismo no sangue. Seu pai, Pops Racer, é um designer de carros talentosíssimo. Já o irmão mais velho do protagonista, Rex, fora um piloto tão bom quanto Speed, mas que morreu tragicamente em uma corrida.

Completam o clã dos Racer a mãe de Speed, o espevitado caçula da família, Gorducho (sempre acompanhado de Zequinha, seu macaco de estimação), Sparky, fiel assistente de Pops, e a namorada do herói, a descolada e corajosa Trixie.

Após sua mais recente vitória, Speed é contactado por Royalton, um riquíssimo empresário que deseja patrocinar o rapaz e a companhia de automobilismo dos Racer. Se apresentando como um amante da velocidade, logo o magnata se revela como um homem corrupto, que suja o nome do esporte que o protagonista tanto ama em nome do dinheiro, estando envolvido em uma conspiração que pode lhe render milhões.

O vilão ameaça Speed e sua família para que este corra pela sua empresa. Assim, o herói se vê obrigado a unir forças com o misterioso Corredor X para desmascarar Royalton e salvar sua família e tudo em que acredita. Para isso, eles deverão sobreviver a um perigoso ralí conhecido como "A Frigideira", conhecido pela desonestidade de seus competidores.

Apesar de seguir a linha básica da clássica série animada, os irmãos Wachowski remodelaram algumas coisas em relação a esta. A alteração mais impactante fora no visual do universo onde a história se passa. O mundo de Speed Racer mais parece com o século 21 imaginado por aqueles que viviam os anos 1960, com máquinas impossíveis, cores berrantes e expressivas, tudo isso coroado por uma física nada realista. Nota-se a presença de visuais inspirados na cultura sessentista, principalmente no guru da cultura pop, Andy Warhol.

Fora ainda introduzido o carro Mach 6, usado alternativamente com o conhecido Mach 5 pelo protagonista durante a projeção. Outra diferença, essa pouco importante, é que o mecânico Sparky, um adolescente na versão animada, ganhou um pouco mais de idade, sendo agora um pouco mais velho que Speed.

A despeito dessas pequenas mudanças, os diretores respeitaram e muito as origens cartunescas da obra, reconhecendo-as a cada momento. O figurino de Speed durante "A Frigideira" e o Mach 5 parecem ter saído diretamente de algum episódio do anime.

Os atores também fazem sua parte de modo magnífico. Destaco o desempenho de Emile Hirsch e John Goodman. O primeiro segura muito bem o rojão, estrelando seu primeiro blockbuster com a segurança de um veterano. Já Goodman se recupera da má impressão deixada em "A Volta do Todo-Poderoso" e encarna Pops Racer com uma energia mais que adequada.

Matthew Fox surpreende como o Corredor X, dando expressividade ao personagem, mesmo passanado a maior parte de seu tempo em cena com uma máscara. Christina Ricci encanta como Trixie – também conhecida como "a namorada mais bacana do mundo". Susan Sarandon, por sua vez, tem pouco o que fazer como a matriarca dos Racer, sendo o protótipo perfeito da dona-de-casa dos anos 1960 – inclusive com sanduichinhos.

Já quanto aos vilões do filme, estes são outras figuras que parecem ter pulado da TV. Cartunescos e malignos, não há como não odiar o Royalton vivido pelo talentoso Roger Allam ou o mafioso Cruncher Block interpretado por John Benfield.

Coloque-se ainda em destaque o expressivo garotinho Paulie Litt, que vive o travesso Gorducho. O menor dos Racer é mestre em se meter em confusões, todas elas absolutamente divertidas. Sem contar a ótima quimica do pequeno com seu companheiro inseparável de aventuras, seu macaco de estimação Zequinha.

Mas, como um filme dos irmãos Wachowski, é na parte técnica que "Speed Racer" acelera mais. Apesar de contar com alguns efeitos especiais fora de série, certas cenas não ficaram tão boas como poderiam, vide o início da corrida de Casa Cristo. Apesar disso, o tinto visual dos irmãos continua apurado como nunca, sempre realizando tomadas interessantes e encontrando saídas visuais fascinantes para contar a história, vide as cenas que nos mostram a idéia de diversão de Speed (em sua infância) e do pequeno Gorducho.

No entanto, é no trabalho de edição realizado no filme que este se destaca. Não exagero ao dizer que "Speed Racer" fará pela montagem o que "Matrix" fez para os efeitos especiais. Trabalhando em conjunto com os mestres da computação gráfica do filme, os editores Zach Staenberg e Roger Barton simplesmente revolucionaram os conceitos clássicos de edição, elevando a "montagem intelectual" de Sergei Eisenstein a um nível completamente novo. Isso faz com que o público monte o filme em sua mente com o desenrolar deste, a partir de informações passadas em transições horizontais belíssimas.

Nesse sentido, algumas cenas se destacam dentre as demais. Os primeiros minutos do filme, intercalando flashbacks e uma emocionante corrida, são de tirar o fôlego. A explicação da conspiração de Royalton, o diálogo entre Trixie e Speed na segunda etapa do ralí, o acordo entre Royalton e o Sr. Musha, sem contar o clímax da última corrida, à la "2001 – Uma Odisséia no Espaço". Todas essas seqüências certamente renderão Oscars para os profissionais envolvidos no conceito e execução desse tipo de edição.

Já a fotografia do longa, feita por David Tattersall, segue a proposta visual da película, bastante colorida e em cores vivas, trabalhando harmonicamente com os efeitos especiais vistos em cena. A trilha sonora do sempre ótimo Michael Giacchino se utiliza do tema clássico da série e ajuda a elevar a adrenalina do público a mil durante o filme.

Alguns poderão reclamar de que as corridas podem parecer um tanto "insanas". No entanto, a proposta do filme fora sempre fazer com que o público sentisse a adrenalina, não sendo lá muito necessário compreender a dinâmica das pistas ou as absurdas leis da física que regem aquele mundo. Mesmo sendo um pouco mais longo do que se poderia esperar, "Speed Racer" é diversão da mais alta categoria e mantém o nível dos blockbusters deste ano imposto por "Homem de Ferro". Uma ótima pedida. Go, Speed Racer, Go!!!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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