Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 05 de abril de 2008

The Rolling Stones – Shine a Light

"The Rolling Stones - Shine a Light" não é um documentário bombástico que irá revelar os bastidores secretos e nefastos de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos. Este filme é uma declaração de amor de um fã à sua banda favorita. A diferença é que o tal fã é um dos maiores cineastas vivos - ninguém menos que Martin Scorsese.

Martin Scorsese é um fã assumido dos Rolling Stones. Não raro, os filmes do cineasta têm em sua trilha sonora músicas da banda, sempre em momentos marcantes. Agora, Scorsese resolveu dar um grande presente para os fãs dos Stones – incluindo ele mesmo: dirigir um documentário/show de seus ídolos. No entanto, como o próprio vencedor do Oscar acabou descobrindo, isso não vai ser tão fácil quanto ele poderia achar quando teve a idéia. No entanto, será uma experiência inesquecível para todos – inclusive para o público presente no evento e nós, que vemos o produto acabado nos cinemas.

“The Rolling Stones – Shine a Light” se divide em três momentos diferentes. Primeiramente, vemos Scorsese e Mick Jagger orientando seus subordinados na feitura do show que se dará em Nova York. O problema é que ambos nunca estão no mesmo recinto, com o diretor nos EUA enquanto Jagger e os Stones estão em turnê ao redor do mundo.

Com tudo mais ou menos organizado, vemos Scorsese – e o resto da banda – quase endoidando enquanto Mick prepara o set list de músicas a serem executadas durante o show. A lista é entregue aos 49 do segundo tempo a um já desesperado diretor que, àquela altura do campeonato, se conformaria até mesmo em saber apenas a primeira música a ser executada pelos seus ídolos. No meio tempo, vemos os Stones recebendo no palco, um pouco antes do show, uma certa família Clinton.

O segundo momento da fita, o concerto em si, é aberto pelo próprio ex-presidente americano Bill Clinton – que aproveita a deixa para falar da causa ambiental. A partir daí, o palco é Deles (com "D" maiúsculo mesmo). Mick Jagger, Keith Richards, Ronnie Wood e Charlie Watts sobem no palco e fazem o que sabem fazer de melhor, levando a platéia à loucura. Em todos os momentos do show.

Intercalando as fantásticas performances, temos ainda a terceira parte do longa, que se trata de diversas entrevistas antigas da banda, algumas tiradas do fundo do baú. Dentre esse material destaca-se um jovem Jagger, com apenas dois anos de músico profissional, sendo perguntado por quanto tempo a banda ainda deve durar. Como não poderia deixar de ser, todos os momentos onde temos o amalucado Keith Richards como entrevistado também são marcantes, se sobressaindo aquele em que ele e Ronnie Wood falam sobre sua amizade e colaboração profissional.

O show dos Stones ainda conta com três participações especiais. Como em qualquer filme de Scorsese, os coadjuvantes estão em perfeita harmonia com os protagonistas, dando apoio a estes, mas sem jamais deixar de ter seu brilho próprio. O primeiro convidado a surgir no palco é Jack White, da banda White Stripes, mais parecendo um menino em uma loja de doces de tão empolgado. Mais para o meio do espetáculo temos o blueseiro Buddy Guy, que empolga o público junto dos Stones com um cover de “Champagne and Reefer”, blues composto pelo lendário Muddy Waters. Já no terço final do show, a linda Christina Aguilera coloca seu corpo e voz a serviço da banda, em uma apresentação onde exala sensualidade ao lado de Mick Jagger.

Por falar nele, o vocalista dos Stones e o guitarrista Keith Richards dominam o filme. Jagger tem uma presença de palco que beira o sobrenatural, tendo uma capacidade de dominar o público que nenhum outro músico no mundo possui, além de seu carisma inigualável. Já Richards, o junkie mais adorado do mundo, é puro carisma em cena. Sua figura já quase mitológica seria capaz de levantar aplausos mesmo se ele ficasse apenas parado. São dele alguns dos momentos mais marcantes do show, não sendo a toa que o guitarrista afirma, em dado momento da projeção, que é nos shows que ele e seus companheiros atingem seus nirvanas pessoais. Com relação aos demais membros da banda, apenas Ronnie Wood tem certo destaque. Mesmo aparecendo pouco, o guitarrista consegue marcar em sua participação na pelicula. O mesmo não pode ser dito de Charlie Watts, que parece deveras desconfortável frente às câmeras – embora sua bateria soe como nunca.

Falar da capacidade visual de Martin Scorsese é chover no molhado. O diretor consegue planos durante o show que são absolutamente lindos, com destaque na seqüência que mostra a participação de Buddy Guy, que possui cenas esteticamente maravilhosas, como no longo close no rosto do músico convidado. Além disso, a integração entre o material de arquivo escolhido pelo diretor e a apresentação da banda é perfeita. Há de se ter em conta que o filme jamais se propõe em ser polêmico ou em retratar o dia-a-dia dos Stones. Scorsese quis realizar uma experiência musical no cinema como nenhuma outra antes, algo que foi feito com a competência que é peculiar ao diretor e a paixão que apenas um verdadeiro fã poderia ter.

Para realizar tal feito, o diretor teve a seu lado o talento de Robert Richardson, um dos melhores diretores de fotografia em atividade. Graças a ele, cada um dos diversos momentos da película tem sua própria identidade visual, com destaque para a preparação para o show, que conta com uma linda fotografia em preto-e-branco granulada. Trabalhar com a iluminação de um espetáculo ao vivo para exibição no cinema não é das tarefas mais fáceis do mundo, mesmo com toda a preparação – vide o cuidado que Richardson teve em não fritar Jagger com a luz intensa em dados momentos do espetáculo.

Palmas também para o montador David Tedeschi que, trabalhando com várias horas de material gravado, chegou a um resultado fabuloso. Um exemplo claro disto: uma das coisas que são extremamente irritantes em produções desse tipo são interrupções durante as músicas para a inserção de entrevistas ou comentários. Isso acontece uma vez durante o show, durante uma música cantada por Keith Richards. No entanto, as transições neste ponto em específico ocorrem de uma maneira tão natural que tais interlúdios mais parecem parte da música.

Obrigatório para qualquer fã do velho e bom rock and roll – e mais ainda para os admiradores dos vovôs do rock -, “The Rolling Stones – Shine a Light” é uma obra marcante e um exemplar digno da filmografia de Martin Scorsese. Recomendado é pouco para este filme!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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