Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 05 de abril de 2008

Loucas por Amor, Viciadas em Dinheiro

Com sérios problemas éticos, é difícil encontrar onde fica o maior problema de “Loucas por Amor, Viciadas em Dinheiro”: se no roteiro fraco ou na péssima direção da produção. Mal recebido lá fora, ele chega ao Brasil sem grandes expectativas e, nesse sentido, não decepciona.

Bridget Cardigan (Diane Keaton) está na pior. Seu marido acaba de perder o emprego da vida inteira (sendo rebaixado a um cargo inferior), e ela acaba de perder todas as mordomias que tinha direito dentro de sua confortável casa. Nina Brewster (Queen Latifah) é uma mãe solteira muito trabalhadora, que tem dois filhos para criar e sofre com a precária escola pública. Já a desvairada Jackie Truman (Katie Holmes) é simplesmente alguém que estava no lugar, e que não tem nada a perder. Resta salientar que o marido de Cardigan é vivido pelo sumido Ted Danson (“Um Toque de Infidelidade”).

Acontece que todas elas calham de trabalhar juntas no Banco Central Americano, onde assistem sempre milhares de cédulas consideradas velhas serem queimadas. Um plano mirabolante surge: porque elas não roubam um desses lotes que está para ser incinerado e resolvem todos os seus problemas com esse dinheiro que parece ter caído do céu? Sim, só parece. Daí em diante acontecem várias confusões, situações que deveriam ser engraçadas e uma tentativa desesperada de sair impune do golpe.

Coincidentemente, conversei essa semana com algumas pessoas a respeito da falta de criatividade na Hollywood dos últimos anos. A impressão que fica é que toda e qualquer idéia já exibida anteriormente vem sendo reciclada para encobrir a falta de talento para criar tramas novas e interessantes. Só para dar um exemplo, estão aí dezenas de livros que têm seus direitos comprados todos os anos para serem adaptados para as telas. Veja bem, não é de todo um mal, já que muitos ganharam projetos dignos de sua representação. Mas não se pode negar que é vitrine para, de duas uma, ou esgotamento de idéias ou preguiça mesmo de pensar em algo novo.

Um dos vários problemas de “Loucas por Amor, Viciadas em Dinheiro” nasce justamente dessa premissa. Quase fica pregado em algum canto da tela que aquele é um filme feito para consumo na televisão. O que quer dizer automaticamente que não existe basicamente preocupação alguma com estética, com cuidados de enquadramento ou até mesmo de função de seus eixos. É constrangedor. E isso, vale ressaltar, usando um orçamento de trinta milhões de dólares. Quer dizer, desperdiçando trinta milhões de dólares, que devem ter sido gastos praticamente para pagar o elenco bizarro formado por Holmes (“Batman Begins”), Keaton (“Alguém Tem Que Ceder”) e Latifah (das comédias “As Férias da Minha Vida” e “Táxi”).

Aliás, se existe um trio improvável de aparecer junto, ainda mais em uma situação como essa, seriam essas três. Onde já se viu colocar a insossa Holmes para interpretar justamente a mais descolada do grupo? Sua falta de desempenho provoca vez por outra impaciência, já que faz referência direta ao que é exprimido pelo filme inteiro: onde diabos eles querem chegar?

Não fossem as hilárias Keaton e Latifah, muito provavelmente não haveria sequer aquelas risadinhas na projeção. Cá para nós e o resto do mundo, não conseguia imaginar de jeito nenhum Keaton em um papel tão pobre de ética, com comportamento de meliante, solta por aí. A graça de sua personagem reside e se esvai nessa informação. Se o engraçado torna-se vê-la em uma situação dessa, de entrar nos ambientes se esgueirando e transparecer alguém que está prestes a cometer um delito, por outro lado o fracasso fica no fato de que ninguém compra o seu papel. Que dá vontade de rir dá, mas acho que pelos motivos errados. Apesar disso, ela e Latifah desempenham suas funções com dignidade – talvez sejam as únicas na produção.

Produção essa que morreu já nas linhas de seu roteiro. Escrito por Glenn Gers e John Mister, a história foi inspirada em um filme (pasme) para a televisão britânica, intitulado “Hot Money”. Gers (e essa é a hora em que você fica de queixo caído) escreveu antes desse trabalho o thriller de suspense “Um Crime de Mestre”, um filme pequeno, mas muito elogiado por crítica e público, especialmente pelo conteúdo e desenvolvimento do roteiro. Já Mister, vinha de uma carreira quase multimídia pelo cinema, onde chegou a trabalhar como montador e no departamento de arte. Foi o responsável por “Hot Money”, seu único trabalho como escritor até então, e provavelmente a explicação óbvia para ter sido escalado aqui. À princípio, não entendi qual era a da participação de Gers, justamente por lembrar de um trabalho tão bom como o anterior, então fui conferir seu currículo: ele começou como roteirista para a televisão. Não é difícil entender então que realmente existia uma preocupação em realizar algo que ficasse bem para entrar depois na TV.

Mas não entendi mesmo Callie Khouri. Películas como essa geralmente vão para as mãos de iniciantes, gente que não tem nome e quer começar de qualquer maneira que seja. Khouri tem um nome respeitado no meio. São de autoria dela produções como o premiado “Thelma e Louise” e o singelo “Divinos Segredos”. Talvez por escrever e realizar bem em temáticas com prioridade feminina, tenha sido escalada para esse trabalho. Mas, a menos que fosse fazer algo que ficasse à altura do que fez, não tinha sentido entrar em um projeto furado como esse. Especialmente se ela teria que abrir mão de seu viés para o cinema e voltar para a tela 4×3. Triste.

E olha, não vou nem discutir toda a repercussão sociológica e ética que gira em torno de uma história que mostra um roubo como se fosse algo necessário, e ainda tenta explicar que as personagens que roubaram do povo e do governo estão certas, porque nem mesmo vale o discurso. Francamente. Apesar de tudo, algumas boas gargalhadas podem ser dadas. Espera. Eu disse gargalhadas?!

Beatriz Diogo
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