Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 27 de março de 2008

Conceição – Autor Bom é Autor Morto

Criatividade e metalinguagem dão o tom no divertido "Conceição - Autor Bom é Autor Morto", um interessante e relativamente bem-realizado longa metragem produzido pela Universidade Federal Fluminense.

É difícil fazer uma análise de "Conceição – Autor Bom é Autor Morto". O principal motivo não é o fato deste se tratar de um filme feito por diversos autores diferentes, pelo menos não principalmente. Filmes como "O Grande Hotel" ou o recente "Paris, Te Amo" colocam a experiência da obra cinematográfica coletiva, com cada episódio sendo uma obra independente, passada em um cenário em comum.

Já aqui, os diversos fragmentos que formam o longa começam separados, mas se reúnem em um final apoteótico. Mesmo assim, os envolvidos conseguem dar às suas histórias bizarras e criativas um quê em particular, colocando em cena diversos estilos de narrativa e de filmagem, que tornam o clímax da produção ainda mais interessante pelo confronto das naturezas completamente diferentes existentes na película.

Como se trata de um trabalho universitário, com um orçamento baixo e feito, os realizadores tiveram de compensar sua falta de experiência com coragem e determinação, o que lhes deu maior liberdade criativa e espaço para errar. "Conceição – Autor bom É Autor Morto" causa impacto desde sua cena inicial até o seu último frame, já espantando espectadores que estão acostumados ao já estabelecido "padrão Globo Filmes de qualidade".

Fazendo um uso brilhante de metalinguagem, os autores nos presenteiam com pequenas – mas deliciosas – amostras de sátiras ao cinema brasileiro e sua eterna devoção aos temas do banditismo e da pobreza. O longa também aproveita para jogar sua acidez contra os filmes americanos, lidando com bom humor com a violência característica deles.

Assim, enquanto acompanhamos alguns amigos numa roda de bar, bebendo cerveja e discutindo possíveis tramas para filmes que jamais serão feitos, vemos ainda uma multifacetada galeria de tipos. Fica impossível não se divertir com a pequena epopéia dos dois ladrões de beira de estrada, do menino cujo pai tem uma profissão nada ortodoxa, do ébrio corriqueiro e dos amantes cuja história toma uma vertente que faria Eli Roth corar.

O maior destaque vai para o conto do perseguido e do perseguidor, história que possui uma ligação muito íntima com o cinema de Robert Rodriguez. Aliás, se o cineasta texano tivesse algum dedo neste filme, o papel do carrasco deste segmento com certeza ficaria com o mexicano Denny Trejo, óbvia inspiração para o personagem.

Como em qualquer filme formado por pequenas histórias, é claro que nem todas seriam aproveitáveis. A trama da menina e da mendiga ocupa bastante tempo de projeção e vai do nada a lugar nenhum no grande esquema do filme. Também dispensável seria a pequena participação do casal discutindo em um fusquinha – cujo trajeto deixa bastante óbvio seu destino.

Já sobre a performance dos atores em cena, o trabalho de todos é adequado à produção, com algumas pontuais exceções, como o da menina em seus diálogos com a pedinte. No entanto, ressalto a participação do intérprete Augusto Madeira, que rouba a cena em seu discurso no último terço da produção, quando o Fugitivo finalmente pode desabafar seus problemas – algo que muitos protagonistas de filmes americanos, rasos que nem pires, teriam vontade de dizer se tivessem como.

O longa, com a enxuta duração de 78 minutos, é o primeiro filme produzido pela Universidade Federal Fluminense, filmado em 35 mm e, considerando as limitações técnicas da produção, é deveras bem realizado.

O trabalho de direção feito por André Sampaio, Cynthia Sims, Samantha Ribeiro e pelos também roteiristas Daniel Caetano e Guilherme Sarmiento impressiona pela segurança com qual conduzem o filme. Sampaio ainda cuidou da edição da fita, impondo a esta um ritmo ágil e impedindo que as diversas histórias nos dois primeiros atos confundissem o espectador.

Caso este "Conceição – Autor Bom é Autor Morto" for um relance do que podemos esperar da próxima geração de cineastas brasileiros, podemos ficar tranqüilos, pois então o cinema nacional estará repleto de criatividade e qualidade.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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