Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 09 de fevereiro de 2008

Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet

"Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet" é um filme sobre amor, vingança e tragédia. Diferente dos musicais habituais, o longa de Tim Burton é imperdível pela competência do elenco e uma trilha absurdamente fantástica.

Quando Stephen Sondheim escreveu as músicas de "West Side Story", ou como ficou conhecido no Brasil por "Amor, Sublime Amor", já era possível reparar na facilidade como ele falava de amor e violência em suas belas canções. Em "Sweeney Todd", a trilha sonora composta pelo mestre alucina o espectador com uma verdadeira tragédia que não deixa de falar de amor e morte. O paradoxo criado para o filme de Tim Burton fuciona com clareza e se revela um dos melhores da temporada.

Na onda de adaptar musicais da Broadway para o cinema, o que chama atenção inicialmente para "Sweeney Todd" é mais uma parceria entre Tim Burton e Johnny Depp. São dois nomes que, independente do que se ponham a fazer, são garantia de público. Essa produção é um caso que eu não me surpreenderia se atraísse, inclusive, aqueles que não são fãs do gênero musical. O falatório sobre o filme começa nisso e vai seguindo as premiações importantes do cinema, as críticas da imprensa e comentários do público.

Na trama, Benjamin Barker (Johnny Depp) era um barbeiro que vivia feliz ao lado da esposa e filha até ser condenado pelo juiz Turpin (Alan Rickman) por um crime que não cometeu. Ao ser afastado da esposa por quinze anos, Benjamin volta para o lugar onde perdeu a esperança de uma vida decente como o demoníaco Sweeney Todd, buscando vingança de todos os homens de Londres que compactuaram com sua desgraça. Sweeney encontra Mrs. Lovett (Helena Bonham Carter), uma cozinheira conhecida por suas tortas ruins. Os dois passam a viver em função da vingança de Sweeney e na busca por sua filha Johanna (Jayne Wisener), porém o destino do barbeiro não parece estar salvo se conseguir o que pretende.

Falar do formato das obras de Tim Burton é até repetitivo. Conhecido por suas tonalidades obscuras, em “Sweeney Todd” o cineasta mantém uma Londres negra abaixo das aspirações de seus personagens. Sweeney vive em constante escuridão, esclarecida só pela cor pálida de seu rosto. Mrs. Lovett e seus cabelos ruivos se sobressaem junto as olheiras pesadas. Burton capta o filme em tonalidades monocromáticas que só ganham cor, seja sépia ou o colorido em si, quando há justificativa. Nos flashbacks da história, a felicidade de Sweeney tem vivacidade em cena, e o mesmo acontece com as cenas projetadas por Mrs. Lovett para o futuro. O presente, senhor de todas as desgraças do protagonista, é preto e branco. As pessoas continuam sendo terríveis, vivendo falsamente com seus pecados. Em terra onde todos pecam, por que então um barbeiro não buscar por vingança?

O musical se afasta de todos os conceitos atuais que muitos têm do gênero. “Sweeney Todd” não é gracioso, muito menos esbanja luxo, coreografias e músicas fáceis. O longa é um filme que fala de morte, de assassinato, de desgraça e tragédias da vida humana, muito bem relacionadas com qualquer tema da atualidade. A injustiça vivida por Todd faz com que reflita na personalidade que adquiriu após a prisão, tema que também pôde ser abordado inversamente em "Desejo e Reparação". As pessoas são produtos do que fazem e pensam, e vítimas de um mundo inescrupuloso. Não que Sweeney esteja certo buscando sua vingança, mas ele é um personagem que precisa de algo para continuar vivendo. É tanto que quando consegue, vê que sua vida fica vazia e sem sentido, sendo passível do desfecho lógico e adequado que a história tem.

Burton dispensa belas coreografias, como são marcos de “Chicago” e “Moulin Rouge”, para registrar uma tragédia conceitual. Os personagens vivem para eles mesmos, nunca em função de causar boa impressão em cena. Burton brinca com as tortas terríveis de Mrs. Lovett, colocando baratas e ingredientes toscos em suas receitas, mas sem o clima escatológico. A censura de 16 anos do filme é por essa secura da trama, pela impiedade do barbeiro assassino que corta gargantas até esguichar sangue a la “Kill Bill”. O musical é efetivo por esse conceito de fazer do público um vouyer, sem participação imediata naquilo. Por isso acontece o desapego emocional investido pelo roteiro e reforçado por Burton em diversas cenas. Isso acaba prejudicando parcialmente a obra no geral, já que podia emocionar mais em alguns instantes, mas não chega a ser grande perda. Focando basicamente a relação de Todd e Mrs. Lovett, o amor entre Johanna e Anthony (Jamie Campbell Bower) se torna deslocado, visando um equilíbrio desnecessário a trama.

A afinidade do diretor com Johnny Depp é óbvia, e pôs o ator em uma de suas melhores performances da carreira. Depp canta com angústia e tristeza, sempre dosando suas ações com a voz de Helena Bonham Carter. Aliás, Mrs. Lovett consegue ser um personagem carismático, seja fazendo descaradamente suas tortas ou mostrando sua sensibilidade na segunda parte do filme. Entretanto, Burton falha ao conduzir o humor natural de Mrs. Lovett. Ainda no elenco, Alan Rickman e Timothy Spall repetem papéis anteriores em suas carreiras, e Sacha Baron Cohen mostra ser multiuso no cinema, apesar de encarar um personagem caricato. Quem desagrada completamente é o casal Jayne Wisener e Jamie Campbell Bower. Ela por não ter talento como atriz, sem o mínimo de naturalidade em cena, e Bower por ter sua capacidade prejudicada por Wisener, já que o ator tem um bom timbre e linguagem cênica.

As músicas de Stephen Sondheim conduzem a trama ao mais trágico, bem interpretada pelo elenco. São músicas que se aproximam de óperas, diferente do usual ou do besteirol cantado em “Os Produtores”, por exemplo. São canções que regem um enredo aliado a fotografia simplesmente magnífica e uma direção de arte fantástica. Sem falar do figurino, que veste bem até o figurante mais distante dos planos de Burton. São inclusive nestes quesitos que “Sweeney Todd” se demonstra mais competitivo para a premiação do Oscar, já que Depp, mesmo perfeito no que faz, pode não ter seu reconhecimento.

“Sweeney Todd” deixa um gosto amargo na boca e a sensação de ser uma obra completa, mas acaba pecando no que poderia ter sido evitado. Para uma obra grandiosa, erros de edição junto aos erros de continuidade são inaceitáveis, mesmo se a película for inteiramente boa. Não há clemência pelo mínimo, mas reconhece-se o máximo. Injustamente sido ignorado como melhor filme do Oscar (onde eu trocaria pelo lugar de "Juno"), “Sweeney Todd” é diferente e esbanja o talento de Burton e do elenco maravilhoso. Vale a pena conferir!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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