Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 27 de março de 2008

Bem-Vindo ao Jogo

Entre as fichas de pôquer e cartas de sorte, “Bem-Vindo ao Jogo” vai além do mundo das apostas e mostra o que está por trás dos bastidores: solidão, a compulsão pelo jogo, a vontade incontrolável de arriscar-se e a importância da própria sorte na vida de cada um. Um filme charmoso e quase descompromissado.

O jogador Huck Cheever (Eric Bana, de “Tróia” e “Hulk”) está na prática das mesas de pôquer praticamente desde que nasceu. Seu pai é uma autoridade no assunto, já foi campeão mundial duas vezes e lhe ensinou tudo que sabe. Quer dizer, tudo que sabe sobre o jogo, porque quando a conversa das lições de Cheever é aproximada, não fica difícil perceber que os dois não conseguem nem mesmo manter uma relação saudável. L.C. Cheever (Robert Duvall, da trilogia “O Poderoso Chefão”) é um homem difícil, orgulhoso e extremamente competitivo – herança herdada pelo filho.

Em Las Vegas, ele sonha em participar e vencer do torneio que consagra o melhor nas cartas, enquanto administra o vai e vem da vida que um viciado no jogo tem. Um dia ele pode ir para casa com dez mil dólares no bolso, e no dia seguinte pode dever os dez mil. Em seu percurso, ele precisa perder a necessidade de provar sua capacidade e simplesmente viver da melhor forma possível. Para isso, ele contará com a ajuda da sonhadora Billie Offer (Drew Barrymore, de “Para Sempre Cinderela”), uma cantora amadora que chegou à cidade para tornar-se profissional.

A direção de Curtis Hanson é certeira: com o suspense gerado entre vencedores e perdedores, ele dá ênfase ao drama pessoal na vida dessas três pessoas, em especial entre pai e filho. Em cada um dos planos de jogos, fica claro que há sempre a perspectiva da maneira como aquilo influencia aqueles homens, suas vidas, suas maneiras de encarar o mundo. Em um jogo onde se pode perder tudo, é interessante quando encontramos um diretor mais interessado em mostrar quem são aquelas pessoas de fato, ao invés de abordar simplesmente sorte ou azar. Se em determinado momento nos sentimos torcendo por Huck, deve-se principalmente ao fato de seu personagem conquistar o espectador: não é pelo jogo, é por ele. Queremos vê-lo bem.

Depois de sair do gênero suspense, Hanson traçou pequenos passos no drama, em especial nas relações familiares. Aqui, ele traça uma linha que mistura referências que já havia utilizado anteriormente, como o mundo dos jogos e o reencontro de pessoas que se afastaram através do tempo. Acredito que este é seu melhor trabalho depois de “Los Angeles – Cidade Proibida”. É inteiramente diferente de “Bem-Vindo ao Jogo”, mas forma com o drama “Em Seu Lugar” um ensaio do que viria neste longa-metragem.

No roteiro bem dividido, e também escrito por Hanson, em parceria com Eric Roth (“Forrest Gump – O Contador de Histórias”), está a já citada relação entre pais e filhos. Em uma cena, Billie diz que o problema entre os dois é que eles encaram suas vidas pela ótica de vencer ou perder, quando na verdade eles deveriam pensar em dar e receber. O mérito do texto está em conseguir dissecar o problema aos poucos, fazendo com que o público se questione o que afinal aconteceu aos dois, e qual motivo os impede de se deixar viver. Ambos são homens colocados em uma situação peculiar (a concorrência, a disputa), mas cada um tem seu conflito pessoal a resolver. Com um L.C. orgulhoso e um inseguro Huck, a profundidade reservada aos seus personagens faz toda a diferença.

Huck tem no pôquer a ânsia de arriscar, de jogar e apostar alto. Mas quando se trata de cuidar da própria vida, não poderia ser mais retraído. Talvez por não ter aprendido a confiar nas pessoas, ele nunca deixa ninguém se aproximar por muito tempo. E aí fica a importância da personagem Billie. Para a história, contada de forma linear, é fácil identificar que o jogo é apenas um plano de fundo para intricadas relações. Mesmo o personagem de Barrymore parecendo secundário e não tão presente na tela, está representado o filme todo, sendo um dos mais importantes na história. De maneira sutil e bastante delicada, ela representa a chave da trama que ligará novamente os dois, quase como um grilo falante. É a pessoa que observa e diz exatamente o que eles precisam ouvir.

Surpreendente também são os resultados do filme em termos de personalidades. A fera Robert Duvall dá brilho extra à trama. Duvall é um desses atores da velha guarda que salva qualquer elenco, por representar não só competência quando está na frente das câmeras, mas segurança. Apesar de fraco e inexpressivo, Eric Bana foi simpático nesta história. Nunca o achei sequer carismático, e demorei muito a entender porque os estúdios continuavam colocando-o para encabeçar produções.

Fato é que Bana merece os méritos por seu trabalho, conquistando através de gestos simples, como o olhar dele na película. É tão bem trabalhado que consegue tornar acessível um personagem que tinha tudo para despertar antipatia: é um viciado em jogos, tem sérios problemas com ética e há muito tempo deixou de importar-se com as conseqüências de seus atos. Mas é humanamente falho, e não esconde isso. Abraça sua condição de anti-herói mesmo e encara o risco de parecer caricato.

Barrymore, como sempre, está encantadora, mesmo representando o mesmo e já conhecidíssimo papel de boa pessoa. Com alguns pequenos ajustes, uma adaptação ao fato de vir de uma cidade pequena e cantando no filme com uma voz fraquíssima, ela é maravilhosa. Um sopro de ar fresco na trama.

A fotografia é linda, captando o colorido de Las Vegas fazendo-o mágico e ao mesmo tempo dramático. Captura a essência da história, simboliza o mundo de sonhos que é exibido na fachada, ao mesmo tempo em que trabalha o vazio que é a vida de Huck. Se há uma cidade onde tudo pode acontecer, onde luzes nunca são apagadas e há sempre festa e aplausos para vencedores, por outro lado há a realidade do abandono de quem perdeu tudo e não se importa de conviver no escuro. Peter Deming foi a fundo e construiu um belo trabalho de cores e sombras, entre explosão e algo mais contido, tímido.

Sem grandes pretensões, trata-se de um filme surpreendente, cativante e que merece ser assistido.

Beatriz Diogo
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