Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 12 de janeiro de 2008

Diário de Uma Babá, O

“O Diário de Uma Babá” chega com a proposta de proporcionar uma visão sobre a alta sociedade americana, que não pára nunca. Uma trama simples que não passa de um mero entretenimento.

Baseado em um best-seller escrito pelas babás Emma McLaughlin e Nicola Karaus, o filme conta a história de Annie Braddock (Scarlett Johansson), uma jovem de 21 anos que acaba de se formar, mas percebe que não sabe o que quer da vida. Após uma de suas reflexões do que ela quer ser a partir dali, ela acaba salvando um garotinho de um atropelamento. Agradecida, a Sra. X (Laura Linney), mãe do menino, acaba convidando-a para trabalhar como babá. Annie aceita o convite, com a desculpa de que teria tempo para pensar no seu futuro, além de estar ganhando um bom dinheiro. Entretanto, o trabalho não será tão fácil e bonito quanto ela imaginou. O pequeno Grayer (Nicholas Art) é mais uma vítima de pais que negligenciam a estrutura familiar, e Annie precisa ser mil para dar conta de tanta cobrança. Além disso, ainda se vê atraída pelo vizinho de cima, interpretado por Chris Evans.

A primeira observação é que o contexto em que Robert Pulcini e Sharl Springer Berman abordam no roteiro é universal. Família desestruturada, pais ocupados que preferem fazer fortuna do que construir um lar, crianças mimadas que passam o dia com babás que mal conhecem, etc, tudo isso acontece em qualquer parte do planeta. Junto disso, também existem as exceções, então não é bom generalizar que toda família americana seja assim. Como não foi a intenção dos cineastas, eles colocam em xeque essa parte da sociedade que constrói uma família sem planejamento e tato para tocá-la para frente. Os Srs. X do filme são só representações de vários pais que deixam seus filhos em casa enquanto estão no mundo trabalhando, traindo os parceiros, ou pela simples inabilidade de conseguir cuidar do lar. Eu conheço várias pessoas assim, então a história acaba aderindo uma realidade crua que nos aproxima por ser uma trama conhecida.

Ao ver a vida que a família X leva, Annie passa a questionar não ingenuamente, mas com um olhar bastante severo, como aquelas pessoas ricas e aparentemente felizes podem ser frustradas. A matriarca da família se ocupa com seminários feministas de como agir melhor em família, justamente como fuga para pôr todos os conselhos em prática. O patriarca trabalha para ganhar dinheiro, promover eventos e trair a esposa. Enquanto isso, o pequeno Grayer vive a falta dos pais, que o ignoram ou se acham cansados demais para, pelo menos, olhar para o filho. Isso se inverte quando o assunto é a aceitação do menino em uma instituição de ensino renomada, como se essa fosse a única preocupação que um pai deve ter. Annie se envolve com a solidão de Grayer e procura entender como um menino encantador pode ser tão triste e renegado a um simples boneco naquela família.

Até aí, a história tem argumento necessário para construir um panorama interessante sobre o cotidiano dos personagens, entretanto não consegue sair do óbvio. Desde os primeiros momentos é possível imaginar que Annie será a responsável pela mudança da ação dos pais com a criança, feita após um grande sermão. E até isso acontecer no final do filme, a história se arrasta por situações não tão interessantes envolvendo a protagonista. A questão da incerteza após a graduação já está batido, e um amor inesperado também. Inclusive é o romance de Annie com Hayden (Chris Evans) que desnivela a história, apresentando-se descartável, bem como a presença de Lynette (Alicia Keys), amiga de Annie. O resultado é uma trama que peca pelo excesso de vidas rasas em tela, com intenções desinteressantes. Mesmo assim, os roteiristas, que também dirigiram o filme, conseguem dar um foco maior também na Sra. X que, por mais recalcada que seja, também é uma vítima de uma sociedade cruel. Tiramos isso pela citação que ela faz da própria mãe com desprezo, ou por ser alvo de adultério e, mesmo assim, se iludir de que tudo vai melhorar.

As atuações fazem o trivial no filme. Johansson ainda é a responsável por criar mais interesse na história, sabendo dosar todos os momentos que seu personagem vive, seja os de alegria com Grayer ou os de tensão com os patrões. A garota é o olhos do público, julgando aquilo que está tão próximo e tão difícil de ser mudado. A relação de Johansson com Laura Linney também é curiosa, já que as duas conseguem criar uma identificação interessante. Em um determinado momento, Annie fala que não deseja o mal da patroa, mas quer o bem do filho dela. Ela compreende toda a amargura que a patroa vive e isso é claramente mostrado na câmera em diálogos íntimos entre elas. Paul Giamatti não faz nada mais que um pai antipático e tem pouco tempo em cena, assim como Chris Evans, que não se torna o tipo de galã em exagero e não faz feio em cena. A cantora Alicia Keys tem um personagem que causa estranhamento, mais parecendo uma peça inútil, não pela atuação dela, que não chega a ser das piores, mas pela inadequação do roteiro. O pequeno Nicholas Art é carismático e tem seus bons momentos.

Pulcini e Berman criam bons momentos como diretores. Um deles é retratar de uma forma dinâmica retratos da sociedade americana em um museu, com situações do cotidiano. Eles também têm o total domínio dos personagens, mas algumas vezes causa um deslocamento incompreensível dos mesmos. Outras de suas intenções acabam sendo postas em tela de maneira duvidosa, além de os cineastas exagerarem nas constantes referências a “Mary Poppins”. Criando uma história morna, nem a trilha sonora escapa de ser medíocre. Os momentos de comédia acabaram sendo estragados pelo trailer, o que economizou risadas no decorrer do filme. Os momentos mais dramáticos funcionam bem, com exceção da falsa sensação de mudança que é causada no final pela personagem de Linney. De qualquer forma, “O Diário de Uma Babá” não chega a ser irritante, mas não é um filme para ser lembrado.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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