Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 12 de janeiro de 2008

Suspeito, O

Até onde cabe a um ser humano julgar o valor da vida de outro? Essa e outras questões políticas são o que dão base ao roteiro desse filme que mescla ação e drama. “O Suspeito” é certamente um forte candidato a receber estatuetas no Oscar. Polêmico, revoltante e em alguns momentos simplesmente triste. Sem dúvida alguma, o maior trunfo de “O Suspeito” está em seu roteiro.

O casal Isabella (Reese Witherspoon, de “Johnny e June”) e Anwar El-Ibrahim está ansioso para o reencontro. Acontece que Anwar foi a uma conferência para engenheiros químicos no continente africano, uma das viagens que para ele costumava ser rotina, já que está sempre viajando para participar de eventos desse tipo. Quando Isabella e o filho vão buscar o marido no aeroporto, constatam que ele não estava no vôo para a América – pelo menos é o que indica a companhia aérea. De acordo com os registros, ele entrou no avião na África, mas não há registros de que tenha chegado aos Estados Unidos. E isso é só o começo do pesadelo.

Confundido com um terrorista, por ser egípcio e ter recebido ligações de um suposto chefe de terroristas, ele é tirado à força do vôo que o levaria para casa, levado para longe e ainda torturado para confessar algo que sequer sabe do que trata. Daí em diante, vemos a personagem de Meryl Streep, que caracteriza a hipocrisia americana em pessoa, alegando o interesse do bem-maior e da proteção do Estado acima de tudo, é ela quem dá a ordem de “interrogar” Anwar. E quando Alan Smith, amigo de Isabella, a questiona sobre o procedimento ilegal, ela dispara: “Sr. Smith, lembre-se de que a América não pratica a tortura” – ou seja, pelo menos não em solo americano. Enquanto isso, o funcionário da CIA que acompanha o caso de Anwar, Douglas Freeman (Jake Gyllenhall, de “O Segredo de Brokeback Mountain”), enfrenta uma das maiores crises de consciência que já teve: até quanto procedimentos de tortura são eficazes? Que garantias há de que um homem vai falar exatamente aquilo que precisar falar para livrar-se de tal agonia?

Intrigas, mentiras, hipocrisia, abuso de poder, países em conflito. O que, a princípio, dá a impressão de ser mais uma trama repetida, revela-se interessante através do desenrolar de seu roteiro. Escrito por Kelley Sane, ele promove a antiga discussão sobre o real valor de uma vida humana e até que ponto um homem pode estar no poder de decidir pela vida do outro: até onde é válido sacrificar seja quem for pelo tal bem-maior? O grande ganho do roteiro de Sane está em conseguir contar uma história já abordada tantas vezes com uma roupagem nova. E quando eu digo roupagem nova, é no sentido da construção do próprio roteiro, no trabalho de constituição do tempo e do espaço que ele faz uso para acontecer. É difícil tecer mais comentários sobre o brilhantismo de Sane nesse roteiro sem entregar o grande desfecho da história.

A estréia de Gavin Hood (vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com “Tsotsi – Infância Roubada”) na indústria hollywoodiana poderia ter sido mais profunda, mas ainda assim se mostra eficaz. Algumas passagens do filme, a utilização do espaço e sua relação com a luz mostram-se criativos. Apesar de não mostrar o talento que o levou a ganhar um Oscar no passado, Hood sabe como dosar drama e ação, trabalhando as várias histórias que acontecem ao longo da película.

Beatriz Diogo
@

Compartilhe

Saiba mais sobre