Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 30 de dezembro de 2007

P.S. Eu Te Amo

"P.S. Eu Te Amo" com certeza não é um filme perfeito, nem teve a intenção de ser. No entanto, suas qualidades suplantam seus defeitos e o longa logo conquista o espectador graças a sua contagiante energia, ao carisma de seus protagonistas e a força de sua premissa.

É um tanto difícil encaixar "P.S. Eu Te Amo" em algum gênero. A despeito de possuir uma história de força dramática, existem vários momentos engraçados durante a projeção, o que deve qualificar como uma comédia romântica dramática. Seja em qual gênero se encaixar, o que importa é que a fita realmente encanta o espectador. Dirigido por Richard LaGravenese, o filme nos traz uma radiografia do relacionamento entre o extrovertido irlandês Gerry e a pragmática Holly. Casados há quase dez anos, o romance dos dois chega abruptamente ao fim após a morte de Gerry.

Não, isto não foi uma revelação bombástica do filme em seu final. Vemos a morte de Gerry logo no começo da fita. Subvertendo a maioria das convenções dos filmes românticos, o filme nos conta logo em sua segunda cena o trágico destino de seu co-protagonista. Mas esta é apenas a primeira surpresa que o roteiro de Steven Rogers ("Kate & Leopold") reserva para o espectador.

Baseado no livro homônimo de Cecelia Ahern, o longa abre com uma discussão entre o casal principal por conta de um jantar entre os dois e a mãe de Holly, Patricia (Kathy Bates), no qual Gerry fez um comentário inapropriado. Claro que a discussão se desenvolve em vários níveis e, sendo por um motivo fútil, logo vemos que os dois se reconciliarão em poucos minutos, mas já introduz o espectador no mundinho daquelas pessoas, tão parecido com o nosso. Membros trabalhadores da classe média, temos ele, que abriu o próprio negócio e luta para estabelecer um nome e ela, que odeia o trabalho monótono e nada recompensador de corretora de imóveis.

Após uma passagem de alguns meses, vemos que Gerry falecera, vítima de um tumor cerebral. Seu funeral, na melhor tradição irlandesa, acontece num bar, onde seus amigos se reúnem para contar histórias sobre ele. No entanto, Holly está inconsolável, algo que nem a presença de todos os seus entes queridos consegue superar. Ela se enclausura em seu apartamento vendo filmes antigos até o dia de seu aniversário de 30 anos, quando uma visita surpresa de sua família é interrompida por uma carta de Gerry. A carta explica que esta foi a primeira de uma série que ele preparou para ela, e que iria ajudá-la a superar sua perda.

A partir daí, acompanhamos Holly durante seu primeiro ano de viúva, embora não sozinha durante este período, no qual Gerry tentará, através de suas cartas, fazer com que sua amada recupere seu rumo na vida. Enquanto isso, o espectador fica sabendo, através de diálogos e flashbacks, mais sobre o passado dos dois. Paralelamente, acompanhamos algumas pequenas histórias dos amigos do casal, como a do azarado bartender do bar de Patricia, Daniel (Harry Connick Jr.), a busca da melhor amiga de Holly, Denise (Lisa Kudrow), por um relacionamento e o casal John e Sharon McCarthy (James Marsters e Gina Gershon), colegas de trabalho de trabalho de Gerry e Holly, respectivamente, que apenas tocam suas vidas enquanto tentam ter um filho.

Movido por seus personagens e jamais forçando as situações, o filme só poderia funcionar com um bom elenco, atores com quais o público pudesse se relacionar. Felizmente, isto acontece com a maior parte do cast do longa. Hilary Swank e Gerard Butler, em especial, são fundamentais para o filme, com o trabalho de ambos realmente fazendo com que o público acredite na força daquele amor. Swank nos mostra Holly como uma mulher absolutamente fragilizada e tentando se reconstruir.

A atriz faz com que o público entenda a situação daquela mulher e simpatize com ela, nos colocando no lugar de Gerry e, aos poucos, nos mostrando o porquê dele ter se apaixonado por Holly. Logo fica claro que Holly não ficara alquebrada quando Gerry morreu, mas estava em um estado de espírito fraco desde quando começara a fazer planos que nunca davam certo, algo que seu marido compreendia e sempre tentava resgatar sua esposa disso. Com a partida de Gerry, ela ficara realmente à deriva.

Esta foi a grande motivação do personagem de Butler. Aparecendo predominantemente em flashbacks e devaneios de Holly, conhecemos o irlandês através dos olhos de sua esposa como um homem espontâneo e carinhoso, que gosta de viver cada momento de sua vida. É daí que vem o sentimento que o público sente pelo personagem, imaginando a injustiça de um camarada morrer aos 35 anos. Neste sentido, Gerard Butler se sai absurdamente bem, com uma presença na tela que realmente leva o público a gostar de seu personagem.

As inseparáveis amigas da protagonista, Denise e Sharon, são vividas pelas atrizes Lisa Kudrow e Gina Gershon. Kudrow, em seu primeiro papel de destaque após o fenômeno "Friends", tenta de tudo para ser aquela coadjuvante que rouba a cena, mas jamais consegue alcançar seu intuito e, pior, acaba criando uma personagem deveras antipática para o público. Já Gershon faz um bom e discreto trabalho como Sharon, compreendendo seu papel na narrativa.

Já os candidatos a interesse romântico de Holly, Daniel e William, interpretados por Harry Connick Jr. e Jeffrey Dean Morgan, são um caso a parte. O primeiro é o homem mais azarado da face da Terra que perdeu, na mesma tacada, a mulher, sua sócia, seu negócio e seu respeito próprio. Ele busca, assim como Holly, se reerguer na vida. Connick Jr. faz um bom trabalho mostrando-o como um homem fragilizado, se recuperando de sua desastrosa interpretação no pavoroso "Possuídos", sendo uma figura interessante de se ver em cena, com o final de seu personagem também sendo digno de nota, graças à irreverência com a qual este leva a situação.

Enquanto isso, Jeffrey Dean Morgan tem uma curta, mas segura participação como William, homem que Holly conhece em sua viagem à Irlanda. Personagem boa praça e confiante, sempre com um sorriso largo no rosto, o ator (que possui uma semelhança incrível com Javier Barden), consegue ser bastante carismático em seu pouco tempo em cena.

Outra figura que aparece pouco em cena, mas aparece bem, é a veterana Kathy Bates, como Patricia, mãe de Holly. Sempre bastante extrovertida em cena, ela é eficaz como a sogra que não vai com a cara do genro e que quer o melhor para a filha. É bom revê-la em cena em um papel digno de nota.

Já o diretor Richard LaGravenese resolve não reinventar a roda, investindo em um estilo de filmagem convencional, algo propício para a fita, cujo diferencial jaz realmente no texto. Acertando em sua escolha em manter o arroz-com-feijão bem feito, LaGravenese constrói o mundo em que se passa o filme bem parecido com o nosso, o que facilita a identificação com os personagens, primordial para o sucesso da empreitada.

Já a direção de fotografia, que ficou por conta de Terry Stacey ("Anti-Herói Americano"), chama atenção em várias cenas, em especial na que relembra o primeiro encontro de Gerry e Holly na Irlanda. Aliás, todas as cenas que mostram o país europeu são muito bonitas visualmente, com cores fortes e alegres. Quanto à edição, realizada por David Moritz ("Tudo Acontece em Elizabethtown"), embora alongue o filme um tanto além do necessário, possui seus méritos nas cenas que intercalam momentos do presente e do passado. O filme é embalado por músicas, sempre apropriadas e muito bem escolhidas, e por uma boa trilha sonora original, composta por John Powell ("Happy Feet – O Pingüim").

Divertido e emocionante, "P.S. Eu Te Amo" é uma ótima pedida para este período de férias, esteja você sozinho ou acompanhado em sua ida ao cinema. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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