Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Bússola de Ouro, A

"A Bússola de Ouro" não é um filme para crianças. Adultos terão dificuldade em acompanhar a complexa trama do filme de Chris Weitz, que traz conflitos existenciais e religiosos, além de figuras fantásticas e efeitos especiais deslumbrantes. O longa-metragem peca por excessos.

A escolha para a data de estréia de “A Bússola de Ouro” é equivocada. São dois os motivos que nos levam a crer que o Natal não é exatamente o melhor momento para exibir um filme como esse. Primeiro, “A Bússola de Ouro” não é um filme para crianças. Segundo, o conflito religioso presente no longa-metragem vai bem além de suposições e sutilezas.

Baseado no livro homônimo de Philip Pullman, “A Bússola de Ouro” se passa em um universo paralelo e é esse o aspecto mais interessante de sua história. Enquanto nossas almas são internas e invisíveis, as almas dos homens, mulheres e crianças retratados no livro e no filme tomam a forma de “dimons”, animais que, através de suas espécies, cores e aspectos, revelam mais sobre um ser humano do que qualquer ação ou declaração.

É nesse universo ligeiramente diferente que cresce Lyra, uma garotinha com atitudes pouco femininas e interesses perigosos. Habitante da Faculdade Jordan, em Oxford, Inglaterra, a menina é vigiada por catedráticos e empregados que, em respeito ao tio dela, Lord Asriel, cuidam de sua educação e saúde.

Lyra, como a maioria dos heróis de fantasias atuais, é órfã. Acolhida por seu tio, um pesquisador que desafia o poder do Magistério, a jovem nada conhece sobre boas maneiras ou formalidades. Sonha em viajar com ele às terras do Norte, onde ursos polares dominam e mistérios aguardam.

O chamado Magistério é o responsável pelo grande debate em torno da história. Com características claramente religiosas, os sacerdotes que representam essa organização de poder não medem esforços para dominarem o pensamento da população. A polêmica gira em torno do chamado “Pó”, uma substância secreta que, em teoria, liga homens, dimons e outros mundos, paralelos ao nosso.

A trama de “A Bússola de Ouro” é extremamente complicada. Conflitos claramente religiosos, dramas existenciais e uma complexa viagem ao norte colocam Lyra em meio a um cenário que nem ela nem nós somos capazes de entender. Tirada da Faculdade por uma doce, mas misteriosa senhora, interpretada por Nicole Kidman, Lyra descobre que crianças desaparecidas têm muito haver com seu lugar no mundo e o destino de um objeto, a bússola de ouro. O aletiômetro dourado é capaz de dizer a verdade sobre qualquer coisa, mas somente alguém especial pode ler seus símbolos complicados. Lyra é essa pessoa.

Muita coisa acontece nesse filme que tem todo o potencial para ser um épico, mas a compreensão é dificultada. Talvez “A Bússola de Ouro” se tornasse muito mais claro sem as grandes cenas de ação ou o cuidado com o qual cada dimon foi criado. Entretanto, sem brigas entre ursos polares, vôos de dirigível e diálogos entre atores e animais desenvolvidos digitalmente, o filme perderia grande parte de sua qualidade.

É equivocado chamar a obra estrelada por Daniel Craig, Nicole Kidman e a pequena Dakota Blue Richards de “o novo ‘Senhor dos Anéis’”, mas nem por isso o filme perde seu mérito. É uma excelente aventura, com conteúdo para maiores de idade e belos efeitos visuais, capazes de atordoarem qualquer um. O que falta é simplicidade. Philip Pullman se perde em sua obra ao tentar aplicar mais magia e mistério na religião. Tudo isso foi transferido para o cinema, algo que, aliás, deve ser destacado. A adaptação para a tela grande é bem feita, mas implica em levar ao público uma história cheia de altos e baixos não necessariamente explicados.

Como Lyra, Asriel e Sra. Coulter, o detalhe mais interessante de “A Bússola de Ouro” são os dimons. A ligação entre dimons, humanos e Pó seria suficiente para arrastar aventuras por 350 páginas e transformar-se em 113 minutos de projeção. Com tantas histórias, tantas coisas reprimidas, tantos efeitos surpreendentes e personagens, humanos ou não, “A Bússola de Ouro” perde facilmente seu potencial. Não há defeitos notáveis no filme de Chris Weitz, somente excessos que atordoam, pesam e prejudicam.

Lais Cattassini
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