Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Reino, O

Em seu terceiro longa-metragem para o cinema, o diretor Peter Berg se sai bem com "O Reino", bom filme de ação que, mesmo sem sair de seu gênero, não se furta em explorar as nuances do conflito entre os extremistas muçulmanos e os agentes americanos.

"O Reino" tem início com uma montagem que tenta expor ao espectador a origem do reino da Arábia Saudita, bem como da complexidade do conflito de interesses entre oriente e ocidente que fora desencadeado naquele país após a descoberta das reservas petrolíferas por lá. Essa abertura é necessária, pois boa parte do público (principalmente os americanos) desconhece os eventos por trás do relacionamento entre os EUA e oriente médio.

Após este pequeno prólogo, nos é mostrado o dia-a-dia em um dos complexos habitacionais norte-americanos na Arábia. Tal como nos EUA, temos a clássica partida de softball entre pais e filhos, churrascos e casas com cercas brancas. Porém, o caos se instala por ali quando terroristas vestidos de soldados do reino fuzilam vários moradores, enquanto outro explode no meio do campo. Após isso, uma equipe de emergência é enviada para prestar auxílio aos feridos e é vítima de uma explosão muito maior.

Uma das vítimas desta segunda explosão foi o agente do FBI na região Fran Manner (Kyle Chandler). Ao saber disto, o agente Ronald Fleury (Jamie Foxx) mexe vários pauzinhos e, contrariando ordens do Departamento de Justiça americano, parte com uma equipe para investigar os atentados.

O time, formado pelo próprio Fleury, o especialista em explosivos Grant Sykes (Chris Cooper), a médica forense Janet Mayes (Jennifer Garner) e o analista Adam Leavitt (Jason Bateman), encontra os sauditas completamente despreparados para uma investigação deste porte, enquanto eles próprios são alvos em potencial de um novo atentado. Com o governo norte-americano, na figura do burocrata Damon Schmidt (Jeremy Piven) mais atrapalhando do que ajudando, a única ajuda que eles encontram nos órgãos oficiais é a do oficial saudita que ficara encarregado de protegê-los, o coronel Faris Al Ghazi (Ashraf Barhom).

O grande mérito do filme jaz em suas menores cenas, aquelas que mostram o caráter de seus personagens através de pequenos momentos, principalmente as estreladas por Foxx e Barhom. Mais do que meramente colegas forçados de trabalho, as atitudes pessoais e profissionais de Fleury e Al Ghazi geram boas rimas visuais no decorrer da narrativa, além de diálogos interessantes entre os dois, alguns, inclusive, muito bem humorados, calcados na dificuldade do militar saudita em compreender algumas gírias americanas.

Aliás, muito da força de "O Reino" jaz no entrosamento de seu elenco e no trabalho tecnicamente primoroso de Peter Berg na direção do longa. O quarteto de investigadores gringos passa realmente a impressão de camaradagem que se espera. Algo fica bastante claro na postura destes: eles não querem capturar o responsável pelos atentados, mas vingar-se pelos mortos, sentimento partilhado por Al Ghazi.

Jamie Foxx transmite a segurança e o peso de alguém que já está no FBI há algum tempo, conhecendo muito bem as conseqüências de seu trabalho. É tanto que sua primeira cena é junto a seu filho, enquanto em nenhum momento é mencionada a sua situação amorosa, mostrando-o como um homem totalmente dedicado ao filho e ao trabalho, sendo muito bom em ambos. Outra cena na qual o ator se destaca é no jantar junto a um príncipe saudita, na qual tenta convencê-lo a deixar a equipe americana trabalhar com maior liberdade, colocando Al Ghazi na chefia das investigações.

Jennifer Garner convence tanto em suas atribuições como médica legista do FBI quanto como agente de campo. A sua personagem, tendo um relacionamento anterior (não romântico) com o agente morto no segundo atentado, reforça sua vontade em encontrar os culpados. Já o ótimo Chris Cooper, como o agente Grant Sykes, carrega no sotaque sulista e demonstra através de pequenas coisas a postura conservadora de seu personagem (a referência à Coréia do Norte, por exemplo), sendo uma boa figura em cena por conta de seu senso de humor (ótima a cena dele no buraco junto a uma equipe árabe).

Jason Bateman está extremamente apagado como Leavitt. O ator, geralmente associado a comédias, tem seus melhores desempenhos representando personagens sérios em situações absurdas, não se saindo muito bem como o "engraçadinho" da equipe, embora no ato final da película ele ganhe algum fôlego, graças à direção na qual Leavitt é levado pela história. Quem funciona melhor como elemento de humor na fita é Jeremy Piven, como o engravatado funcionário do governo Damon Schmidt. Ele muda suas convicções de acordo com os acontecimentos, sempre aparecendo entusiasmado e cheio de razão, refletindo o próprio governo a que serve.

O maior destaque no elenco, no entanto, é Ashraf Barhom, como o coronel Al Ghazi. Ignorando a óbvia contradição entre sua nacionalidade israelense e seu papel como um soldado saudita, o intérprete reforça sempre o bom caráter de seu personagem, como um bom soldado, filho e pai, além de sua própria religiosidade. É interessante ver que o filme não se submete ao clichê de transformar todos os árabes em tolos e estúpidos. Além disso, as já mencionadas cenas entre ele e Foxx, com o crescente relacionamento entre os dois personagens, é extremamente importante para o desenvolvimento da narrativa.

Peter Berg, em seu terceiro longa para cinema, mostra uma evolução significativa desde seu último trabalho para a telona, o divertido "Bem Vindo à Selva". Criando quadros dinâmicos e interessantes, Berg conduz as cenas mais movimentadas do terceiro ato da produção, imprimindo um importante clima de tensão à narrativa. O diretor se utiliza bem de elementos assustadoramente reais colocados pelo roteiro, tais como os vídeos gravados pelos terroristas ou a eterna burocracia e retórica do governo dos EUA, para criar um cenário verdadeiro para um longa de ação eficiente.

Nas cenas mais movimentadas, Berg teve o auxílio de dois profissionais de edição, seu colaborador na série de TV "Friday Light Nights" Colby Parker Jr. e Kevin Stitt, editor já experiente em fitas deste gênero. Ambos dão a "O Reino" um ritmo acelerado, mas sem que o público se perca no meio da história ou das próprias cenas de tiroteiro e explosões. Na direção de fotografia está Mauro Fiore, que realiza um trabalho adequado nesta película, principalmente nas cenas dos atentados e na invasão ao prédio já no final do filme. Enquanto isso, a trilha de Danny Elfman, mesmo não sendo um dos trabalhos mais inspirados deste premiado compositor, causa harmonia, seja nas cenas mais agitadas ou nas mais intimistas.

Graças ao balanço concedido pelo ritmo frenético de ação imposto por Berg, o texto de Matthew Michael Carnahan consegue passar sua mensagem sem soar repetitivo e cansativo, ao contrário de seu trabalho anterior, "Leões e Cordeiros". Pode ser que, com a embalagem de filme de ação, o recado do roteirista chegue ao público sem com que este se sinta ouvindo um sermão.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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