Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 08 de dezembro de 2007

Conduta de Risco

Trabalhando acertadamente o conflito interno de um homem, "Conduta de Risco" consegue trazer à tona discussões éticas e políticas sem uso de excessivos diálogos ou situações clichê. A estréia do roteirista Tony Gilroy na direção prova que o novo cineasta chegou para ficar.

A vida não tem sido fácil para Michael Clayton (George Clooney, da franquia “Onze Homens e Um Segredo”). Em uma semana específica que personifica a citação de que tudo sempre pode piorar, ele acaba envolvido em várias situações estressantes das quais não se livrará facilmente. Para começar, Clayton é funcionário há mais de quinze anos de uma firma de advocacia nova-iorquina, que não lhe dá o mínimo prestígio ou possibilidade de crescimento. Ele, que já deveria ter sido feito sócio, continua como um empregado que se responsabiliza pelo serviço chato de trabalhar quase como um faxineiro no escritório. Explica-se: ele faz uso de contatos para limpar “pequenos delitos” cometidos pelos clientes da firma – trabalho esse que não é muito interessante se você tem ambições profissionais. Não bastasse a insatisfação com o ambiente de trabalho, ele precisa lidar com as constantes dores de cabeça provocadas pelo bar que abriu com o irmão viciado em drogas e álcool. Divorciado, endividado e pessoalmente arrasado, Clayton está só começando uma semana ruim.

Quando seu colega de trabalho Arthur Edens tem uma crise de consciência durante um caso em que trabalha, é Clayton que acabará em problema, pois sobrará para ele dar jeito na questão. Acontece que Edens vinha trabalhando há seis anos como advogado de defesa da indústria agriquímica U/North, até surtar com os fatos e provas com os quais tinha acesso e resolver que não era para tomar atitudes como aquela que ele havia formado-se como advogado. Quando Clayton é designado para tomar frente do caso, ele nem imagina o que levou o colega a desistir da maneira como aconteceu e muito menos em como essa obrigação o colocará em risco.

O anti-herói Michael Clayton não é exatamente a pessoa mais ética do mundo. Pode-se dizer que ele é aquele tipo de pessoa que aprendeu ao longo dos anos a desprender-se de certos valores para conseguir viver no mundo que o rodeia. A necessidade de fazer o trabalho sujo nos bastidores da firma, de esconder as evidências que comprometeriam pessoas importantes da sociedade é uma dessas provas. Provavelmente não era o que ele tinha em mente para trabalhar quando se formou, mas a vida acabou levando-o a esse caminho.

Sem tentar fazer mérito da questão ou analisar demais o personagem, basta dizer que ele é uma pessoa comum. Um personagem dignamente construído por Tony Gilroy, aquele que anteriormente havia escrito o comentado roteiro de “Advogado do Diabo”, excelente thriller que também envolvia os casos jurídicos e as questões éticas que acarretam. Aqui, Gilroy consegue firmar uma figura que é de fato o centro de tudo dentro do filme, e que inclusive dá nome ao longa-metragem. Com a trama contada entre flashbacks, há no início uma pequena confusão, pois não fica exatamente claro quem é quem no longa. Mas logo vemos que isso é mais um mérito do bem construído roteiro de “Conduta de Risco”.

Michael Clayton é quase palpável. Tem uma família distante, não tem sorte com as mulheres, fracassou no negócio paralelo que tentou firmar para ganhar dinheiro e não consegue sair do lugar na firma onde trabalha. Os questionamentos morais sofridos por Clayton são reflexo direto da segura personificação dada por Gilroy ao personagem, que travará no filme não só uma busca dentro do processo em que trabalha, mas também dentro de si mesmo. Uma tentativa de redescobrir quem é ele de fato. Gilroy consegue falar sobre ética e valores sem cair no óbvio, sem a necessidade de estabelecer exatamente o que é o certo ou errado, sem fazer sensacionalismos. Ele opta por abordar temas tão difíceis de tal maneira que dispensa a fácil situação de colocar nas telas mais um filme com diálogos já tantas vezes trabalhados e que tornariam a película cansativa.

Aqui cabe espaço para elogiar o acerto de George Clooney no tom do papel. Mesmo com um rosto conhecido principalmente por seus papéis com apelo de galã, ele consegue desvencilhar-se do fantasma que assola vários atores hollywoodianos: a caricaturização. E lança mão de recursos que fazem Clayton ser diferente de outros papéis que já desempenhou, sem muito glamour, porém com o charme típico que é trazido por Clooney. Verdade seja dita, ele consegue ter um excelente desempenho durante toda a projeção, sem precisar forçar nenhuma situação ou exagerar nos recursos de que tem disposição. Ele é sutil. Tom Wilkinson (“Shakespeare Apaixonado”), perfeito no papel de Edens; Tilda Swinton (“Constantive”), Michael O’Keefe e Sydney Pollack (“A Intérprete”) complementam esse bem selecionado elenco.

A direção estreante do até então roteirista Tony Gilroy ainda é tímida, mas tem futuro. Ainda sem muita experiência, ele começou acertando ao rodear-se com uma equipe competente. Dos atores aos profissionais que trabalham mais nos bastidores (como os diretores de fotografia e arte), a atmosfera criada torna-se essencial para uma completa emersão na história, dando um forte suporte à direção. Trabalhando com insinuações e tendo como ponto de partida que o espectador pode formar sua opinião sobre aquilo que vê, ele não se preocupa em colocar as informações todas na mesa. Algumas coisas simplesmente não precisam ser ditas – e Gilroy sabe disso.

Beatriz Diogo
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