Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 08 de dezembro de 2007

Across The Universe

Um musical com canções dos Beatles pode parecer sinônimo de perfeição, mas é a ambiciosa posição que faz de "Across The Universe" um filme sem nexo e decepcionante.

Em 2007, filmes como "Dreamgirls", "Hairspray" e "High School Musical 2" deixaram o gênero musical ainda mais popular entre os espectadores médios, mas, constantemente inspirados nos musicais da Broadway, faltava originalidade.

Julie Taymor, que realizou o belo "Frida", surgiu com uma proposta, no mínimo, interessante: fazer das músicas dos Beatles a linha contínua de um novo musical, mais colorido e inovador. O elenco jovem e as seqüências psicodélicas prometiam um filme memorável, mas o sentimento de decepção é inevitável quando todas as promessas se tornam confusas e desconexas.

Jude é um jovem de Liverpool, cidade britânica onde viveram os integrantes do famoso grupo de rock. Determinado a conhecer seu pai, que engravidou sua mãe durante uma missão na Segunda Guerra Mundial, o garoto parte para os Estados Unidos e lá conhece Max que, ao contrário de Jude, é rico e um tanto irresponsável.

A irmã de Max é Lucy, ainda infantil em suas declarações de amor, mas que logo perde a inocência quando o namorado é morto na Guerra do Vietnã. As vidas dos três personagens se cruzam de maneira tão delicada que é quase imperceptível. Até aí o filme é perfeito, linear, consistente. São os outros personagens que exageram na medida e estragam o que, até então, era agradável. Prudence, assim como Lucy, é uma jovem ingênua e apaixonada. Sofrendo por não ser correspondida, a garota foge para Nova York.

Max, cansado de se preocupar com o futuro, também larga a universidade para dividir um apartamento com artistas na cidade de Nova York. Jude vai com ele. Lá os dois conhecem Sadie, cantora ao estilo Janis Joplin, JoJo, guitarrista ao estilo Jimmy Hendrix e um grupo de apaixonados pela arte. Prudence logo se junta ao grupo e, juntos, todos formam uma espécie de república artística, hippie.

Tudo vai bem até Max ser convocado para lutar na guerra. Com medo de perder o irmão, Lucy começa a participar de movimentos de protesto. Jude desenha para o jornal do movimento anti-guerra e os músicos participam de passeatas. Todos acreditam que não há motivos para os Estados Unidos permanecerem no Vietnã, matando seus próprios filhos.

A temática não é nada original e "Hair" fez um trabalho muito melhor ao musicar essa fase extremamente importante para a história mundial. Enquanto Claude, George e o grupo de hippies se divertiam evitando a guerra, sem nunca esquecê-la, Lucy, Jude, Max e os outros a enfrentam, mas esquecem de aprofundá-la. O filme sempre foi vendido como uma história de amor entre Jude e Lucy e não passa disso. A guerra se torna pano de fundo para esse jovem relacionamento, difícil de levar para frente em meio ao caos da cidade e os conflitos ideológicos. Todo o resto, claro, fica em segundo plano.

As músicas, evidentemente, conquistam sem muito esforço. Os personagens também são carismáticos e envolventes. O que se perde são os vários elementos que Taymor coloca para formar um grande vídeo clipe. O vocalista do U2, Bono, faz uma participação tão desnecessária e sem sentido que chega a ser ridículo. O astro aparece por dez minutos, canta “I Am The Walrus” e some, como se nunca tivesse existido.

Prudence, a garota de coração partido, surge do nada no apartamento de Sadie e também desaparece, até ser encontrada ao final do filme, sem explicação, sem sentido. São vários os momentos assim, que parecem jogados na tela apenas como uma composição da obra, sem preocupação com a harmonia do conjunto. Enquanto abusa de cores, coreografias e personagens, todo o conteúdo de "Across The Universe" se perde no emaranhado de tentativas e promessas não cumpridas.

As canções dos Beatles justificariam sim a criação de um musical, do mesmo modo como a banda Queen inspirou o musical "We Will Rock You" e o grupo ABBA a história de "Mamma Mia", mas é importante que as músicas tenham mais do que coincidências com a história. "Across The Universe" faz referências, piadas para os fãs da banda inglesa, gera curiosidade, mas são constantes os momentos em que as músicas se encaixam por diversão e não por necessidade. Enredo e melodia não se completam.

Julie Taymor errou ao tornar "Across The Universe" um aparente "musical de protesto". Errou também em querer dar aos Beatles uma profundidade ideológica inexistente. O longa-metragem, que tinha muito potencial, falha ao querer atender a necessidades demais e arranha a superfície do que um verdadeiro musical, uma verdadeira obra de arte cinematográfica ou simplesmente um filme sobre um período de guerra deve ser.

Lais Cattassini
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