Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 25 de agosto de 2007

Espíritos 2 – Você Nunca Está Sozinho

Sabendo dosar não só os toques de terror e suspense, mas também investindo bastante no lado dramático e psicológico de seus personagens, “Espíritos 2” revela-se melhor do que o seu antecessor e continua agradando aos fãs do gênero. [b]Atenção:[/b] [i]O último parágrafo desta crítica possui uma análise mais detalhada da reviravolta do filme, revelando alguns porquês da história. Sugiro ser lido somente por aqueles que já assistiram ao filme, senão perde toda a graça se for lido antes de assisti-lo.[/i]

O primeiro filme realizado pela dupla Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom apareceu sem muito alarde no Brasil em 2006 e dividiu opiniões. Abordando o básico de filmes de terror oriental, “Espíritos – A Morte Está ao seu Lado” (“Shutter”) contava a história de Tun e Jane, dois jovens namorados e adoradores da fotografia que, após atropelarem uma misteriosa moça em alta estrada, fogem do local do acidente e começam a ter suas vidas assombradas. O grande acerto do primeiro filme foi a capacidade de argumentar até mesmo nas situações mais caricatas e piegas. A grande reviravolta que mostra todos os porquês do filme chega para consagrar o bom trabalho no roteiro dos realizadores.

Em “Espíritos 2 – Você Nunca Está Sozinho” (“Alone”), os cineastas voltam bem mais maduros e consertando os erros mais recorrentes do primeiro filme. Desta vez, vê-se até uma liberdade maior em trabalhar com a câmera na mão e investir em ângulos que dão um toque de charme à produção. Na história, Pim mora na Coréia com seu namorado quando recebe um telefonema avisando que sua mãe, residente em Bangkok, está internada após um derrame. Voltando à terra natal, a moça começa a ser atormentada por diversos sentimentos, inclusive alguns que remetem ao seu passado familiar e à sensação de que está constantemente sendo seguida por alguém. O argumento fotográfico do primeiro filme se transforma agora em uma história cuja premissa se baseia na idéia de gêmeas siamesas, outra abordagem acertada e com um desenvolvimento que não é tão original, mas rende momentos frenéticos de suspense, terror e um drama psicológico que nunca havia sido tão bem trabalhado em filmes anteriores do gênero.

É fato que terror oriental tem o seu quê de previsibilidade. Sempre com algum personagem assustador para atormentar a vida dos protagonistas, a idéia do mundo sobrenatural em si não é muito tentadora. Porém, a dupla Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom conseguiu construir uma trama que, por mais que caia em alguns clichês, consegue conduzi-los de forma a chegar em um dos melhores ápices das produções contemporâneas orientais. Desta vez preocupando-se bem mais com o estilo de filmagem, a película recebeu um tratamento escuro que varia em tons azuis e verdes que fecham bem a fotografia, ajudada pela cenografia e por uma direção de arte mais competente do que a do primeiro. Além do processo estético bem empregado, os diretores conseguiram movimentar a câmera de forma que pudesse analisar bem não só as situações que os personagens vivem, mas também o que talvez eles estejam sentindo. Ao final na projeção, tudo entra em harmonia e algumas coisas que poderiam ter parecido mais estranhas ou erradas, acabam sendo justificadas. E o melhor: não é esfregada na cara do espectador para que isso seja compreendido.

Os diretores se aproximam dos objetos e sabem conduzi-los de forma adequada. Nota-se que não é um filme só de atores, como o primeiro pode, em termos, ser fincado, mas é um filme que tem um quê de misticismo bem mais convincente, se é que pode ser chamado assim, do que qualquer outro do gênero. Não que seja completamente aceitável que um espírito deformado venha atormentar a vida dos terrestres (crenças à parte), mas a forma com que ela é justificada acaba sendo perfeitamente bem colocada. Além disso, os realizadores criam situações que variam do lugar comum, como a da banheira, mas também pregam peças no espectador, como a debaixo da cama, quando você espera aquele sustão, e acaba tendo uma surpresa bem melhor. Aliás, os sustos não são tão exagerados quanto no primeiro filme e isso se justifica principalmente por ter trabalhado o lado psicológico e mental dos protagonistas, deixando o suspense e o terror como válvula de escape. Quando estes aparecem, sim, conseguem aterrorizar e criar um clima de tensão fora do comum. O destaque vai para a cena do ventilador, uma das mais arrepiantes dos últimos tempos.

Os atores Masha Wattanapanich e Vittaya Wasukraipaisan sustentam o filme em suas diferentes nuances. A escolha do elenco também continua sendo um dos pontos fortes do trabalho dos diretores. Wattanapanich sem dúvidas é o destaque com sua personagem Pim e, consequentemente, a gêmea Ploy. A moça não só dá o teor certo para cada momento de Pim, como consegue segurar o filme nas costas quando o clímax vem a tona e uma seqüência final fantástica acontece. O galã Wasukraipaisan também não faz feio, mas por talvez não ter tanto destaque quanto a protagonista feminina na primeira parte da projeção, acabe agradando somente durante a última fração da trama. Como se não bastasse, um aspecto técnico que é bem vindo junto às atuações é o da trilha sonora. No filme anterior, a trilha fez um trabalho quase medíocre, aparecendo mais para gerar sustos ou ficando em terceiro plano. Desta vez, a trilha adere às perspectivas dos personagens de forma impressionante, estando bem mais ativa, bem como os efeitos visuais e a direção de arte, que também melhoraram consideravelmente. Talvez tenha sido por tanta dedicação aos mínimos detalhes, juntamente com o bom argumento da história, que a crítica tailandesa tenha aplaudido de pé o filme.

Os méritos são claros e sem dúvidas “Espíritos 2” se junta à escassa lista de boas surpresas que chegaram ao cinema este ano. Não somente um filme de terror, mas um filme que retrata aspectos psicológicos interessantes, o longa agrada pelo visual e pelo discernimento do ridículo em filmes de terror/suspense na tentativa de criar algo admirável, conseguindo com glória. Talvez seja um filme obrigatório não somente aos admiradores do gênero, mas também aqueles que gostam de análises profundas comportamentais e um pouquinho de misticismo.

A partir daqui terão fatos revelados sobre o final do filme. Para quem não assistiu e nem quer saber, sugiro que volte para ficha técnica e leia outras opiniões listadas. A história de Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom é tão fechada que algumas peças vão sendo soltas durante a projeção e, mais tarde, conferimos que são enganações que a protagonista criou para conseguir atingir seu objetivo. Além das diferentes versões da morte da irmã gêmea que, na verdade, foi Pim, observe o momento em que Wee enxerga pela primeira vez a assombração da gêmea. Ele está subindo as escadas e se depara com a projeção das duas irmãs de costas. Na ocasião, o espírito estava ocupando o lado que, quando eram siamesas, era da própria Pim, ou seja, os roteiristas tiveram a preocupação também em intrigar os mais atentos aos detalhes. ("Mas a Pim não estava viva? Eles erraram!") Não erraram! Mais tarde, descobriríamos toda a verdade. Outro ponto interessante do roteiro é que o espírito de Pim não necessariamente está lá para causar o mal que é proposto no começo. Isso é comprovado na cena final, quando Ploy fica presa dentro de um armário, com a casa pegando fogo, e Pim aparece e simplesmente a abraça, fato que aconteceu bastante durante a infância das duas. Então por que a irmã assombrava os vivos? Pelo simples fato de que a irmã viva quebrara a promessa de que as duas estariam sempre juntas, além de levantar o lado místico de que os gêmeos têm ligações fortes não só de conduta, mas também de sobrevivência. Um paralelo a isso que o roteiro trabalha é em relação ao cachorro Lucky que, após morrer, faz com que “Pim” compre um cachorro idêntico, porém que é rejeitado por Wee. Em determinado momento, ela trabalha a idéia de que o amor poderia ser posto em objetos aparentemente semelhantes, o que era o objetivo dela desde o começo. Além disso, durante a cena em que Ploy causa a fatalidade de Pim, é clara a não-intenção da garota, que estava movida apenas pela raiva. Por isso ela vivia com o sentimento de culpa que a fazia delirar em diversos momentos de sua vida. Ah, destaque à cena em que Ploy rola junto à irmã morta no chão do hospital. Simplesmente fantástica. Por fim, note quando "Pim" vai conversar com o psiquiatra e este a mostra a figura de uma borboleta. A borboleta também é um dos símbolos trabalhados na teoria do caos, que pudemos conferir mais de perto em "Efeito Borboleta" e, se investigarmos, também pode ser associada em alguns momentos à história de "Espíritos 2". Enfim, um filme justificável do começo ao fim e que merece atenção aos detalhes.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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