Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 25 de agosto de 2007

Possuídos

Ele poderá agradar a muitos, principalmente aquele pessoal que fica olhando pras nuvens e procurando formas de elefantes, de carneiro e etc., se deparando de vez em quando até com formas que denotem obras de Picasso, por exemplo. Tirando essa forma de ver “Possuídos”, ele não te dará nada além de sensações ruins.

Eu realmente não gosto de assistir a um filme e ter que falar mal desse. Isso parece coisa de gente chata, que implica com algo e assim vai até o fim da vida. Não tenho, porém, como deixar de apontar as falhas que fazem de “Possuídos” um dos filmes que mais me fez ter vontade de deixar o cinema antes do fim. Olha que só fiz isso uma única vez e, felizmente, não estava a trabalho. Só não fiz isso, pois, hoje, analisando toda essa atmosfera que o cinema me proporciona, acho um desrespeito qualquer que seja o espectador deixar a sala de projeção antes do final, a não ser por alguma emergência, obviamente.

Em “Possuídos” a trama começa a se desenrolar. No seu começo lento, somos atolados de suspense sem respaldo. Para tanto, o diretor William Friedkin (“O Exorcista”, “Regras do Jogo”) usa e abusa das câmeras fechadas. É câmera fechada na cebola, na maçaneta da porta, na placa do motel, no ventilador e assim sucessivamente em tudo quanto é de objeto. Ao passo disso, vamos conhecendo a personagem Agnes White (Ashley Judd, de "A Marca"). Ela mora em um motel, sente um subconsciente aterrorizado por seu ex-marido e agora presidiário, usa e abusa de drogas e trabalha em um bar lésbico. Até que um dia, sua amiga R.C. (Lynn Collins, de “O Mercador de Veneza”) apresenta-a Peter Evans (Michael Shannon, “O Lenhador”), um personagem que “cai de pára-quedas” para fazer par com Agnes.

Até aí tudo bem. Como não esperávamos as coisas terríveis que estavam por acontecer, tava até aceitável a situação. Afinal, os produtores colocaram o gênero do filme como sendo suspense/terror. A parte do suspense vinha dando certo, a parte do terror, só se for aquele totalmente psicológico. Até os maçantes diálogos, típico de um filme que é adaptado de uma peça para o teatro, não estavam afetando como ia afetar. Não é à toa. Essa é uma adaptação de peça escrita por Tracy Letts (que aqui roteiriza também). O problema é que quanto mais demorava a se desenrolar, cada vez mais a projeção ia ficando irritante.

Certo, eu entendi. Esse artifício de filmagem escolhido por Friedkin foi para deixar os espectadores realmente incomodados com o clima de claustrofobia . Afinal, estávamos para entrar no mundo da loucura humana, da paranóia. Enfim esse “mundo” chega. Ao olhar a loucura de Evans para com insetos fictícios e a forma como ele afetou Agnes com ela, nos dá o real enlace da trama. A questão é que Evans parece ter transmitido a loucura dele para todos da trama e para além da trama, como o diretor, roteirista, produtor e sucessivamente. Tentando dar uma de roteiro esperto, que vai analisar a psicologia da situação, “Possuídos” parece mais mostrar dois loucos querendo resolver um fato: acabar com a infestação de insetos irreais.

Não sou contra esses filmes inteligentes. Muito pelo contrário. Sou fã desse gênero, mas repudio os que tentam ser inteligentes, como nesse caso. Além disso, me coloco primeiramente como fã da coisa bem feita. Peguemos por exemplo os diálogos de “Possuídos”. Algo como “eu sou a inseto mãe” saiu da boca de Ashley Judd no grande clímax da trama. Como se não bastasse, saiu da forma mais decorada possível. Sem falar no contorcionismo olímpico que teve de fazer o ator Michael Shannon para esconder suas partes íntimas em cenas que aparece completamente sem roupa. Quando não tinha mais como juntar suas pernas ou ficar em posição que até o Gollum de “O Senhor dos Anéis” invejaria, o ator já estava recorrendo para colocar galões de gasolina ou qualquer coisa que ele encontrasse ao seu redor.

Quase nada se salva. Uma delas, ou a única dela, foi a ótima mixagem do som. Realmente nós pudemos escutar cada detalhe do ambiente. As pisadas, o vôo dos insetos, carros constantemente passando na estrada em frente ao motel, algumas pisadas foras do quarto de Agnes e até sons estranhos que pensávamos ser algo aproveitável no futuro para o roteiro, mas que se transforma em apenas sons para iludir o espectador. Seria esse um grande artifício caso “Possuídos” se desenrolasse como um suspense. Entretanto, ele se mostra como algo que tentou usar do psicológico louco daquele que o estava assistindo e jogou fora todo esse ótimo trabalho da edição de som.

Para os brasileiros, o filme teve um “q” a mais de horror. Digo isso pela medonha tradução de “Bug” para “Possuídos”. Até descobrirmos que de possessão a película não tem nada, demora muito. De possuído mesmo, só o espectador de raiva. Faço a simples pergunta para o responsável dessa área: de onde foi a idéia? Foi tão inteligente assim que eu não captei ou foi só para zoar mesmo?

“Possuídos”, sem sombra nenhuma de dúvidas, é um título que pretendo apagar da minha mente. Já vi tanta coisa boa ser feita com menos dinheiro e com atores menos badalados. Sendo assim, não vejo interrupções em meu meio para não taxar essa película como um dos sentimentos mais podres que eu já tive dentro de uma sala de cinema. Agora, para mim, o sinônimo de filme pior do que péssimo é “Possuídos”.

Raphael PH Santos
@phsantos

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