Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 12 de agosto de 2007

Sem Reservas

Um casal, um motivo para unir os dois e poucas risadas. As comédias românticas têm algumas características em comum, porém “Sem Reservas” passa longe do intuito de gerar risadas e mostrar um casal vivendo atrapalhadas para ficar juntos. Vendido de maneira errada, o longa mostra a trajetória dramática de três personagens que se sentem incompletos e que terão que descobrir juntos uma forma de viver melhor.

No enredo, Catherine Zeta-Jones vive a workaholic Kate, uma Chefe de cozinha que enfrenta um ritmo frenético para conseguir a perfeição em cada prato que serve. Um dos mais renomados nomes de toda Manhattan, Kate acaba tendo sua vida mudada após a morte de sua irmã Paula em um acidente de carro, no qual só sobreviveu a pequena Zoe (Abigail Breslin), de nove anos. Como se não bastasse a grande responsabilidade, Kate ainda precisa enfrentar um rival na cozinha, Nick Palmer (Aaron Eckhart), que se demonstra totalmente o contrário de sua personalidade, estando sempre cantarolando e trazendo um clima de harmonia para a cozinha do restaurante onde ambos trabalham. O que, no começo, Kate não aceita com bons olhos, acaba gerando uma harmonia entre o jeito leve de Nick encarar a vida, que ajudará Kate a rever e aceitar uma nova forma de viver. Além disso, como já era de se esperar, um romance nasce, porém alguns empecilhos profissionais podem balançar a relação dos dois.

Cessando a onda de blockbusters, a Warner Bros. traz em “Sem Reservas” uma “comédia” no sentido mais cinematográfico da palavra. Comédia não é só o que faz rir, mas sim o que consegue obter um final feliz, com o herói atingindo seu objetivo. Revelando-se mais um drama do que um simples romance, a história nada por algumas vertentes que culminam em diversos lugares comuns, porém torna-se simpático ao ponto de demonstrar uma sensibilidade maior dos personagens, que são mais humanos do que meros produtos que passam por situações constrangedoras e máximas para ficarem juntos, como acontece em diversos romances. O roteiro desenvolvido por Carol Fuchs com base na história de Sandra Nettlebeck, que gerou o longa “Simplesmente Martha” de 2001, segue uma história que simplesmente flui no decorrer da projeção. Por mais que algumas passagens sejam de extremo enfado, no final acabamos por perceber o quão necessário foi para passar a sensação de que em nenhum momento a história foi forçada. Além disso, Fuchs consegue recortar os melhores recursos da trama, deixando-a mais enxuta, o que poderia ter prejudicado se mais melodrama romântico fosse investido no enredo, ou até mesmo se exagerassem na idéia do trauma vivido por Zoe após perder a mãe. Fuchs entende que essa parte da história o espectador consegue realizar sozinho e prefere aproveitar os 105 minutos de filme mostrando outras facetas dos personagens.

“Sem Reservas” aborda a vida de três personagens marcados pela falta. Kate tem falta de uma vida pessoal, quiçá de sentimentos. Voltada somente ao trabalho, recusa uma vida couch potato e se vê limitada em questões de relacionamento. Durante as terapias que freqüentava, Kate acaba desabafando grande parte desse seu estranho modo de viver e demonstra que seu passado deixou algumas marcas, por mais que o filme não insista em mostrar. A vida de Kate muda com a entrada de Zoe em sua vida. A partir daí, ela precisa dividir seu tempo e cuidar da criança que está vivendo a perda da mãe. Kate passa por uma mistura de novos sentimentos fraternos e acaba descobrindo que a relação com Zoe gera também uma necessidade, pois faz bem a ela ter preocupações e alguém para conviver fora da cozinha. Zoe, por sua vez, é o alvo da falta da mãe e da necessidade em construir uma vida nova com uma tia que não conhecia bem. Aos nove anos, é difícil para qualquer criança se desapegar das inocências familiares vividas até agora e procurar motivos para superar as perdas. Se para os adultos uma perda é avassaladora, quanto mais para uma criança. O roteiro deixa claro essa falta pelas constantes vezes em que Zoe vê as fotos da mãe, ou relembra os momentos vividos em vídeos ou com os presentes que a mãe deixou. Já o caso de Nick, a falta que ele vive é canalizada também no trabalho, porém com mais naturalidade do que Kate. Nick procura levar uma vida menos tristonha, o que gera uma procura maior do personagem em mover a vida das duas outras personagens. Ele ainda acredita nas boas ações, no amor e na troca. É por ele que toda a história encaminha e tudo se desvenda. Ele supre a necessidade não só pessoal, mas empurra Kate para a nova realidade, além de criar com Zoe uma relação que constrói uma figura paterna que a pequena nunca teve, já que nunca conheceu o pai.

A direção de Scott Hicks acerta o trabalho com cada personagem, porém apresenta uma dificuldade ao conduzir o elenco. Hicks é bem melhor com a história do que no trabalho direto com os atores, que acabam apresentando uma falta de harmonia e conquistam o público separadamente. Mesmo assim, é impossível não torcer para que o final feliz chegue logo. Hicks não abusa dos planos bem elaborados e nem constrói um filme visual, o que põe a trama como a maior força de toda a produção. Nem mesmo a trilha sonora do conceituado Philip Glass chama a atenção, o que é lamentável, visto que foi o responsável por trilhas inesquecíveis como de “As Horas”. Neste quesito, a trilha parece forte demais para alguns momentos, indo de frente com a desarmonia dos personagens. Suart Dryburgh fotografa os personagens de maneira intimista, o que não dá muito destaque visual, mas engrandece as histórias individualmente. No time de atores, Catherine Zeta-Jones dá o tom certo à Kate, sendo uma personagem internamente triste e que dá o seu melhor para conviver com a sobrinha. Aaron Eckhart tem vivido papéis versáteis e como Nick consegue ir além do programado pelo roteiro, sentindo-se completamente à vontade no papel. A grande questão é que os dois não possuem a química necessária para cativar como casal romântico, porém rendem ótimos momentos separados. Já Abigail Breslin traz um outro lado não vivido em “Pequena Miss Sunshine”, e mostra-se apenas correta no drama, até porque não dispõe de tantos momentos quanto o casal principal.

“Sem Reservas” investe em situações comuns, porém tem em seu roteiro a grande chance de mostrar os sentimentos dos personagens bem de perto que, juntos, tentam melhorar suas vidas. Mesmo tendo sido vendido errado, o longa pode agradar a alguns que não agüentam mais ser soterrados de piadas pastelões das comédias românticas. “Sem Reservas” utiliza novas táticas para gerar o romance, sendo assim uma conseqüência do objetivo que os dois tinham desde o começo do filme. Primeiro é preciso encontrar paz e fazer conquistas interiores para se permitir amar ao próximo. É assim que o personagem de Zeta-Jones cresce, levando consigo os outros dois. Poupando de risadas, o longa tem seus momentos de diversão, mas, felizmente, não exagera. Uma boa pedida para quem cansou das comédias românticas de sempre.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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