Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 11 de agosto de 2007

Primo Basílio

“Primo Basílio” é fruto do maior pecado capital de Daniel Filho: a preguiça. Adaptando a obra literária de Eça de Queiroz e a linguagem que fez da TV Globo um modelo a ser seguido na dramaturgia, o diretor ainda consegue entreter o público criando certa tensão. No entanto, o maior mérito do filme é da dupla Glória Pires e Débora Falabella.

Luísa (Débora Falabella) está casada com o engenheiro Jorge (Reynaldo Gianecchini) quando reencontra seu primo e amor de juventude Basílio (Fábio Assunção). Assim que o marido embarca para o centro-oeste para participar da construção da nova capital brasileira, Basílio passa a visitar com freqüência a solitária Luísa. Os dois iniciam então um caso extraconjugal com direito a um apartamento exclusivo para seus encontros. A criada Juliana (Glória Pires) encontra no lixo a correspondência trocada pelos amantes e, ajudada pela tia Vitória (Laura Cardoso), decide chantagear a jovem senhora.

Sem ter como conseguir o dinheiro pedido pela empregada, Luísa embarca em um jogo que irá lhe destruir. Obrigada a cumprir os afazeres domésticos, enquanto Juliana descansa e assiste televisão, a moça insiste em fugir com o primo, mas esse a abandona no Brasil e foge para a Europa. Com o retorno do marido ao lar, a ameaça de Juliana fica mais constante e a atormentada patroa se vê obrigada a cometer atitudes drásticas. É assim que a obra “O Primo Basílio” de Eça de Queiroz chega transportada aos cinemas brasileiros. O cenário atravessou o oceano e o tempo correu quase um século até a São Paulo da década e 50. O objetivo era aproximar a história do público, que já foi contada em minissérie na TV Globo pelo mesmo diretor Daniel Filho, dando ares de Nelson Rodrigues à produção.

Daniel Filho outra vez demonstra seu maior pecado capital, a preguiça. Além de recorrer para a já famigerada linguagem televisiva, desta vez ele recorre a uma readaptação de um trabalho anterior. E se a linguagem televisiva de seus longas-metragens fazia parecer ao espectador que assistiam a uma novela, em “Primo Basílio” lhe dará a impressão de acompanhar uma minissérie. O humor é trocado pelo drama e pelas cenas de sexo recorrentes nas produções do gênero da emissora carioca. Que bradem os puristas, mas o diretor já deixou bem claro seu objetivo: levar um grande público aos cinemas e encher os cofres da empresa, a produtora Lereby.

Aqueles que não estão acostumados com a telinha podem estranhar os planos muito fechados e alternados. Em breves momentos, temos a impressão de que o diretor decidiu sair da mesmice e está prestes a ousar, mas essa esperança logo se desfaz em planos curtíssimos, como os da TV. Da fábrica de sonhos, como é conhecida a rede Globo, também advém o rigor técnico do figurino e cenário da época. O mesmo não se pode dizer das cenas externas. Ganhando a rua somente duas ou três vezes, o filme peca na reconstituição da capital paulista.

No quesito atuações, “Primo Basílio” chega para comprovar o talento das damas da dramaturgia brasileira. Glória Pires (desfeita de qualquer traço de vaidade) consegue fazer de sua amargurada Juliana o principal foco de atenção da trama. Que Basílio que nada. O filme é dela. A força da atriz leva uma personagem destinada a viver pelos cantos, como sombra dos outros, ao primeiro plano. A jovem Débora Falabella, que já havia demonstrado maturidade em outros papéis, afirma-se como um dos nomes mais promissores de sua geração. Laura Cardoso e Simone Spoladore, apesar das pequenas participações como a perversa Vitória e a mal-falada Leonor “Maçaneta” respectivamente, também conferem pontos ao time feminino. Na ala masculina, Reynaldo Gianecchini demonstra ainda ter muito que aprender. Sua irregularidade na carreira aparece mais uma vez em uma atuação mecânica, sem fôlego para acompanhar suas companheiras de cena.

O roteiro de Euclydes Marinho comete alguns deslizes. Fica difícil entender, por exemplo, o porquê da ajuda oferecida sem hesitação pelo personagem de Guilherme Fontes a Luísa. Rápido demais também é o mergulho na loucura da atormentada protagonista e a rejeição à amiga Leonor. No entanto, a fita consegue evitar o maniqueísmo recorrente em produções do gênero. O público acompanha os maus-tratos sofridos por Juliana e o arrependimento de Luísa com a mesma compaixão e não é difícil nos pegar torcendo por um final feliz de ambas.

Certo suspense e tensão pela iminência da descoberta do segredo da esposa por Jorge também consegue ser mantido. Nem de longe ele lembra o incômodo criado por “Notas sobre um Escândalo”, mas garante um mínimo de envolvimento com a história. “Primo Basílio” é, portanto, uma opção para aqueles que decidam deixar de lado o conforto do sofá sem correr riscos maiores de estranhamento escolhendo uma forma de lazer com a qual já estão acostumados.

Igor Vieira
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